23
de janeiro de 2013 | N° 17321
ARTIGOS
- Ildo Mário Szinvelski*
O trânsito precisa ser um
lugar
É
visível: nos últimos 15 anos, o trânsito mudou. Nesse período, a frota gaúcha
mais do que dobrou. Hoje, são mais de 5 milhões de veículos circulando e mais
de 4 milhões de condutores. O trânsito tornou-se mais do que complexo: ganhou
status de ciência e vários de seus ramos tornaram-se especializações
universitárias. Em seu aspecto mais violento, o trânsito tornou-se também uma
calamidade pública, reconhecida pela Organização das Nações Unidas como
epidemia mundial.
Espelho
da sociedade em que está inserido, o trânsito de hoje reflete toda a
complexidade da sociedade moderna e das relações entre as pessoas. Em diversos
aspectos, o Código de Trânsito Brasileiro antecipou-se às mudanças sociais que
se refletiram no espaço de convívio a que chamamos trânsito. Ontem,
completaram-se 15 anos de sua vigência, trazendo vários debates e algumas
certezas.
Dentre
as certezas, a principal é a de que, nesse período, o trânsito ganhou espaço de
discussão, saiu das sombras e está sendo dissecado à luz do dia, mostrando suas
fragilidades e seus problemas, mas também suas potencialidades e possibilidades
de recuperação.
As
questões de trânsito são pauta obrigatória de qualquer órgão de imprensa
responsável, de qualquer governo sério, de qualquer educador comprometido. Tema
de nível planetário – do ponto de vista ecológico, sociológico, econômico –, o
trânsito bebe das fontes de diversas áreas do conhecimento.
O
etnólogo francês Marc Augé, por exemplo, introduz o importante conceito de não
lugar, espaço que se opõe ao lar, ao espaço personalizado, privado. O não lugar
é por definição um espaço público de passagem, de contatos breves e
epidérmicos, tal como shoppings e estações, em que o ser humano se sente ainda
mais só, por se perceber um ninguém junto a muitos outros seres humanos
igualmente indiferenciados. Ele sente necessidade, em espaços assim, de impor
sua individualidade, valorizando símbolos como cartões de crédito ou a carteira
de motorista.
Daí
podemos intuir que, quanto mais impessoal e anódino for o espaço público, mais
os seres humanos que nele circulam tenderão a comportamentos fora do padrão –
seja pichando uma parede, seja desrespeitando leis de trânsito.
Conhecimentos
como esse nos autorizam a avançar mudanças. Se o nascimento do CTB, há 15 anos,
abriu espaço para questionamentos e muitos debates, hoje vivemos a época da
consolidação das normas, estas consideradas como o social resolvido, a
problemática já solucionada e cristalizada.
O
desafio está, porém, em aplicá-las da forma mais adequada aos seres humanos que
somos – caso contrário, elas serão letra morta ou, pior, instrumentos de
domínio, a exigir constante controle dos corações e das mentes. Precisamos
trabalhar o trânsito com a amplitude que lhe é própria, humanizando-o,
tornando-o inclusivo, possibilitando protagonismo e expansão humana de todos e
de cada um. No dia em que o conseguirmos, infrações e os consequentes acidentes
não serão mais do que histórias de um passado que ninguém gostará de recordar.
*DIRETOR
TÉCNICO DO DETRAN/RS