26
de janeiro de 2013 | N° 17324
NILSON SOUZA
Campanha
A
menina dos meus olhos me comunica, entusiasmada, que aproveitou a semana de
férias na praia para sair da sua rotina incessante de teclagens e postagens.
– Já
li o primeiro livro do ano! – avisa, com a informação adicional de que elaborou
uma lista de leituras para cumprir nos próximos meses.
Aplaudo,
evidentemente, mas recebo a promessa com ceticismo. A tentação da telinha
luminosa é mais forte do que o desejo de agradar a este tio pré-digital,
apegado ao velho hábito dos textos impressos. Outro dia, por brincadeira, lancei
uma campanha entre os jovens da família:
–
Menos Face e mais Book.
Todos
acharam graça, não apenas do jogo de palavras, mas também da minha ingenuidade.
Qual é a graça de passar horas (ou minutos, que seja) folheando páginas de um
livro quando se pode estar com os amigos na rede virtual, trocando mensagens,
fazendo comentários espirituosos, postando fotos, imagens, vídeos?
Sinceramente, não dá para competir.
Só
que a epidemia tecnológica já começa a ficar preocupante. Outro dia, procurei o
serviço especializado de uma pequena fábrica, e a proprietária me disse que o
trabalho só ficaria pronto em duas semanas. Perguntei a razão da demora, e ela
me respondeu de forma enigmática:
–
Computador!
–
Como assim? – quis saber. Então ela me contou que os funcionários, todos
jovens, estavam se atrasando ou faltando ao trabalho porque passavam noites e
madrugadas nas redes sociais. Mesmo durante o expediente, alguns se refugiam no
banheiro para consultar celulares e trocar mensagens com amigos e namoradas.
– E
olha que são bons funcionários, capacitados, e eu pago bem porque dominam o
trabalho – esclareceu.
Assustador,
não? Às vezes, tenho a impressão de que estamos nos tornando improdutivos por
conta da facilidade de comunicação pelos meios virtuais. Nos escritórios, nas
repartições públicas e, pelo que descobri agora, mesmo nas fábricas, o tempo e
a atenção dispensados pelas pessoas para navegar pela web superam em muito o
esforço empregado para produzir.
Não
sou um ludita, longe de mim. Também uso a tecnologia e reconheço os progressos
que ela traz, assim como as possibilidades que oferece. Ela acabou com as
distâncias e aproximou as pessoas, ainda que tenha gerado deformações como
reuniões profissionais e familiares em que cada participante fica isolado dos
demais, consultando sua janelinha para o mundo.
O
que realmente me preocupa é a percepção de que muitas pessoas, os jovens
especialmente, consomem horas e horas com jogos e com atividades de interesse
apenas momentâneo, sem proveito para suas formações e para seu futuro. São
habilidosos, fazem maravilhas com os seus equipamentos, divertem-se, mas
parecem dóceis prisioneiros desse mundo virtual. Saberão sair dele quando a
vida real os chamar?
Uma
vez perguntei a um sábio se era verdade que jogar xadrez desenvolvia a
inteligência. Ele me respondeu:
–
Sim. Mas apenas para jogar xadrez.
Se a
menina cumprir metade do seu programa de leituras até o final do ano, minha
campanha familiar terá sido um sucesso.