Clóvis
Rossi
De guerreiro a
pomba?
Ariel
Sharon moldou um Estado de Israel que pratica a linguagem da força, mas voltou
atrás no fim da vida
Para
seus críticos, o legado de Ariel Sharon pode ser resumido na frase de Gideon
Levy, jornalista que é frequente e consistente crítico das políticas de Israel:
"Sharon
foi mais influente que qualquer outro em plasmar a linguagem dominante do
Estado de Israel, a da força, da guerra, da ocupação e da violência",
escreveu Levy para o jornal italiano "Internazionale".
Explica
o jornalista: "Guiou as Forças Armadas em todas as suas conquistas, por
longos e sanguinários anos na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e no Líbano".
Tanto
sangue que uma comissão de inquérito (israelense, não palestina ou árabe)
concluiu que Sharon olhara para outro lado enquanto uma milícia libanesa matava
milhares de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, durante a
ocupação israelense do Líbano.
Essa
conclusão minou as perspectivas políticas de Sharon, lançado a um certo
ostracismo até que comandou um grupo de radicais em uma visita à Esplanada das
Mesquitas, em 2000, que traria, como resposta palestina, a chamada Segunda
Intifada.
Mas
o que definitivamente reergueu "Arik", como era chamado na intimidade,
e o colocou como "Rei de Israel", como diziam alguns de seus
seguidores, foi o fato de que uma grande maioria de israelenses acabou por
aderir a seu sentimento básico, profundo, sobre os árabes.
"Sharon
--sempre segundo o jornalista Gideon Levy-- jamais odiara os árabes;
simplesmente não confiava neles".
Ao
visitar Israel, a intervalos longos demais para o meu gosto e interesse pela
área, comprovei o quanto crescia, paulatina mas inexoravelmente, a desconfiança
dos judeus até se tornar um sentimento francamente majoritário.
Natural,
assim, que Sharon acabasse eleito primeiro-ministro. Nessa posição, no entanto,
deu um passo importante para reverter o que Levy chama de "linguagem
dominante" em Israel, a da força e a da ocupação: retirou da Faixa de
Gaza, à força, como é de seu temperamento, 9.000 colonos judeus, devolvendo o
território aos palestinos.
Um
passo ousado, se considerar que Sharon fora "o pai fundador dos
assentamentos [judaicos] nos territórios [palestinos], conforme escreve Ben
Caspit para o "Pulso de Israel", do sítio "Al Monitor".
Tornou-se,
para Ben Dror Yemini, colunista do jornal "Maariv", "um modelo
de político capaz de voltar atrás, um político que entende que o trabalho de
sua vida fora um erro, um político que se torna um estadista".
Um
exagero, acho, mas é possível tomar como correta a avaliação de Ben Caspit,
para quem Sharon, ao devolver Gaza, mantivera a convicção fundamental de sua
vida, a de que Israel é o único lugar em que os judeus podem defender-se por si
mesmos, mas entendera também que "não pode fazê-lo enquanto continuar a
controlar outros povos".
Se é
assim, o derrame que o inutilizou talvez tenha impedido que ele completasse a
revisão de sua crença na força e na ocupação e, por extensão, devolvesse todos
os territórios palestinos. Não ficou ninguém com o seu passado para ter coragem
para fazê-lo.
crossi@uol.com.br