01
de março de 2015 | N° 18088
L.
F. VERISSIMO
Escavações
É
conhecida a história dos arqueólogos que, depois de anos de escavação,
descobriram o que parecia serem restos de uma civilização antiga, até então
desconhecida. Estavam prestes a anunciar a descoberta que os consagraria,
quando apareceu, no meio das ruínas, um paliteiro de plástico. E os arqueólogos
ficaram no seguinte dilema: reconhecer que não tinham descoberto civilização
desconhecida nenhuma ou revelar um fato espantoso, o de que a matéria plástica
era muito mais antiga do que se supunha.
Há
uma metáfora aí, em algum lugar. Seu significado talvez seja que no fim todas as
sociedades são julgadas pelas suas exceções, pelos seus extremos e pelos seus
detalhes, e a História e a sociologia estão sempre ameaçadas por dados
incompletos.
Por
exemplo: sempre se pensou que a população de Pompeia tivesse sido surpreendida
pela chuva de cinzas do Vesúvio, e que a maioria morrera dormindo. Hoje se sabe
que o Vesúvio entrou em erupção dias antes, tremores de terra e explosões
anunciaram a catástrofe que viria e a população já abandonara a cidade
condenada quando as cinzas a encobriram, para serem desencavadas anos depois.
Mas
o mais impressionante em Pompeia são as estátuas dos mortos. Encheram de gesso
os buracos deixados na cinza solidificada pelos cadáveres decompostos e cada
espaço moldou um corpo branco, na posição em que estava na hora da sua morte.
Mas,
se a maioria da população já tinha fugido das cinzas, isso significa que as
tétricas estátuas brancas são de mortos excepcionais. São de céticos que
duvidaram da catástrofe anunciada, curiosos que queriam ver como seria, aventureiros
e megalomaníacos dispostos a desafiar a Natureza, suicidas, bêbados ou
simplesmente distraídos. Enfim, são estátuas dos que ficaram.
Durante
anos, todos os estudos e todas as teorias sobre Pompeia presumiram que os
fantasmas conservados em gesso eram exemplos de habitantes comuns da cidade e
do seu fim em comum, quando eram dos seus excêntricos. A amostragem, que
incluía dos mais científicos aos mais burros, não representava a imensa gama
que existia entre os dois extremos.
As
novas revelações sobre o que realmente aconteceu em Pompeia naquele ano de 79
d.C. acabaram com mitos românticos, como o da suposta descoberta, sob as
cinzas, de um casal abraçado, surpreendido pelas emanações do Vesúvio no ato do
amor. Especulou-se muito sobre o que o casal estaria fazendo no fim, mas de uma
coisa se pode ter certeza: o orgasmo, sob as cinzas ainda mornas do vulcão, foi
maravilhoso.