01
de março de 2015 | N° 18088
FABRÍCIO CARPINEJAR
Superpoder
Todo
mundo é super-herói. Todo mundo tem um poder especial. Uma característica que
transforma a existência.
Pode
ser uma virtude disfarçada de defeito. Pode ser algo de que você não gosta em
si.
Quando
conheço alguém, sei que estou desvendando um superpoder por detrás da aparência
e da normalidade, uma vida multiplicada por um talento.
No
jardim de infância, tinha a Bárbara, que odiava sua boca carnuda. Recebeu o
apelido de flor carnívora. Mas foram justamente os lábios desenhados com
volúpia que fizeram com que virasse modelo de sucesso. Recordo também de
Daniel, na adolescência, com dificuldade de se expressar em público. Abominava
sua timidez, gaguejava quando pressionado. Pois sua retração fascinava as
mulheres, que o rodeavam e falavam por ele. Não existiu um garanhão igual na
faculdade.
Conservamos
um trejeito em particular que revela nossa personalidade. Já vi muita gente
simples com o superpoder da esperança, capaz de enfrentar diagnósticos
terríveis e a morte próxima. Ou com o superpoder da paciência, desarmando brigas
com uma voz mansa e calma, sem jamais levar o desaforo para o lado pessoal. Ou
com o superpoder da fé, cumprindo quilômetros de joelhos em nome de uma
promessa.
Há
feirantes com o superpoder do grito, atraindo compradores à distância. Há
ambulantes com o superpoder do tempo, farejam pela cor da nuvem ou pela arruaça
dos pássaros se choverá dentro de quinze minutos e se devem levantar a barraca.
Há quem tenha o superpoder de localização, de tanto andar de ônibus, e
palmilham a cidade de olhos vendados.
Minha
empregada Cleonice, por exemplo, tem o superpoder da risada. A casa está tensa,
acabrunhada, e ela aparece cortando a atmosfera com seu bom-dia risonho. Abre
as janelas e as portas ao arejar os humores. O filho Vicente mantém o
superpoder dos cílios enormes. Observa de um modo tão misterioso, com aquele
olhar de árvore, que logo precipita a eloquência dos familiares – sempre está
em vantagem na captura de segredos. Já Mariana guarda o dom da irreverência:
dramática, passional, intensa, ela sente o mundo duas vezes mais do que a
média. Dela, receberá as mais bonitas, sinceras e corajosas declarações.
O
ideal é que seja amado pelo seu superpoder. Descobrir alguém que identifique
sua fraqueza, e a reconheça como estimulante, apesar de ser um empecilho no
entendimento da maioria.
Se
bem que o amor torna qualquer um poderoso.