15
de fevereiro de 2015 | N° 18074
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Brigões da
internet
Mário Corso, aqui na ZH, dia 27 de janeiro, enfrentou
com grande êxito um tema que está na ordem do dia: por que há tanta
agressividade nas redes sociais? E avança: já éramos desde antes tão
agressivos, ou a internet é um meio propiciador forte?
Resumo,
com algum molho pessoal, os argumentos, para tentar ir adiante. Um, somos os
primeiros a usar este novo meio e não temos uma etiqueta estável para ele.
Dois, não há o interlocutor físico diante de nós, o que libera a agressividade.
Há também, três, a instantaneidade: não há tempo entre a reação, a escrita e o
envio, que havia no tempo da carta.
Quatro,
as redes proporcionam muita exposição mas pouco retorno, o que implica duas
coisas – uma frustração da nossa carência de reconhecimento e uma tendência a
emitir opiniões mais chocantes, mais extravagantes, mais bizarras, contra tudo
e todos, para ganhar alguma visibilidade. Cinco, o gesto de escrever ali é uma
caricatura de participação política, uma catarse, num tempo de intenso
descrédito na representação – nem a religião, nem o partido, nem o emprego, nem
o casamento, nem o sindicato, quase nada mais tem unanimidade ou duração
capazes de nos dar sensação de permanência.
A
síntese do Mário ajuda muito a entender. E me ocorre que há o reverso do item
5: a ascensão da esquerda, nas duas últimas gerações, foi um intenso, profundo,
um quase irressitível movimento de incentivo e de incitação à tomada de
consciência e à participação. E agora, que percebemos que tem cabimento
participar e que todos temos que fazê-lo, a participação parece ter-se tornado
irrelevante, ou é mesmo irrelevante. Por exemplo: eleição a cada quatro anos é
um troço tardo demais para a velocidade da internet – aqui, aliás, outro fator,
o contraste entre a velocidade da internet e a lentidão da vida.
Essa
história pode ser lida em várias configurações. Numa face brasileira, temos por
exemplo a figura de líderes das revoltas estudantis de 68 presos por corrupção;
numa face europeia, Daniel Cohn-Bendit, que fez fama com a alcunha “Danny o
vermelho” a partir de 68, expulso da universidade de Nanterre por sua ação
política, ganhou um doutorado honoris-causa no fim do ano passado, na mesma
universidade.
Segundo
a revista Piauí, que relatou o caso, Cohn-Bendit fez alguma autocrítica
(“Soubemos destruir, mas não construir”; “xingar o professor Grappin como ele
havia feito de nazista foi uma besteira terrível, porque ele fora da
Resistência francesa”), e apresentou como utopia forte, para agora, a
construção dos Estados Unidos da Europa. Nada mais.
Na
companhia histórica do Maio Francês, vieram ao mundo a Tropicália e o Seargent
Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o Charlie agora atacado e o saudoso Pasquim
brasileiro, já sepultado. A famosa Passeata dos Cem mil, um marco na história
política brasileira, é descendente direta do espírito libertário do Maio (dos
jovens líderes políticos de então, quantos destinos: Vladimir Palmeira, José
Dirceu, Fernando Gabeira, vá fazendo a conta).
De
68 pra cá são já quase 50 anos, o tempo de duas gerações na roda geral da
história. E o caso é que os sessenta-e-oitistas chegaram ao poder, em toda
parte. Nem sempre os mais radicais, certo, mas todos chegaram lá. O PT no
Brasil, com Lula e agora Dilma (há o imperdível livro de Airton Centeno, da
Geração Editorial, Os Vencedores:
A
Volta Por Cima da Geração Esmagada Pela Ditadura de 64). Há mulheres
presidentes na Argentina e no Chile, o índio Evo Morales na Bolívia, o
ex-guerrilheiro Mujica no Uruguai, o mulato Obama nos EUA, e assim, em versões
moderadas, na Europa ocidental praticamente toda, incluindo França, Espanha,
Itália, Portugal, Inglaterra, Alemanha. E na Grécia agora, talvez na Espanha do
“Podemos”.
Essa
conta pode ser nos levar até a ponta, ou a uma das pontas, do novelo atual,
este novelo, esta novela do nosso mal-estar. Um fim de ciclo, eis o pano de
fundo da coisa toda, me parece.