sábado, 14 de fevereiro de 2015


15 de fevereiro de 2015 | N° 18074
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Brigões da internet

Mário Corso, aqui na ZH, dia 27 de janeiro, enfrentou com grande êxito um tema que está na ordem do dia: por que há tanta agressividade nas redes sociais? E avança: já éramos desde antes tão agressivos, ou a internet é um meio propiciador forte?

Resumo, com algum molho pessoal, os argumentos, para tentar ir adiante. Um, somos os primeiros a usar este novo meio e não temos uma etiqueta estável para ele. Dois, não há o interlocutor físico diante de nós, o que libera a agressividade. Há também, três, a instantaneidade: não há tempo entre a reação, a escrita e o envio, que havia no tempo da carta.

Quatro, as redes proporcionam muita exposição mas pouco retorno, o que implica duas coisas – uma frustração da nossa carência de reconhecimento e uma tendência a emitir opiniões mais chocantes, mais extravagantes, mais bizarras, contra tudo e todos, para ganhar alguma visibilidade. Cinco, o gesto de escrever ali é uma caricatura de participação política, uma catarse, num tempo de intenso descrédito na representação – nem a religião, nem o partido, nem o emprego, nem o casamento, nem o sindicato, quase nada mais tem unanimidade ou duração capazes de nos dar sensação de permanência.

A síntese do Mário ajuda muito a entender. E me ocorre que há o reverso do item 5: a ascensão da esquerda, nas duas últimas gerações, foi um intenso, profundo, um quase irressitível movimento de incentivo e de incitação à tomada de consciência e à participação. E agora, que percebemos que tem cabimento participar e que todos temos que fazê-lo, a participação parece ter-se tornado irrelevante, ou é mesmo irrelevante. Por exemplo: eleição a cada quatro anos é um troço tardo demais para a velocidade da internet – aqui, aliás, outro fator, o contraste entre a velocidade da internet e a lentidão da vida.

Essa história pode ser lida em várias configurações. Numa face brasileira, temos por exemplo a figura de líderes das revoltas estudantis de 68 presos por corrupção; numa face europeia, Daniel Cohn-Bendit, que fez fama com a alcunha “Danny o vermelho” a partir de 68, expulso da universidade de Nanterre por sua ação política, ganhou um doutorado honoris-causa no fim do ano passado, na mesma universidade.

Segundo a revista Piauí, que relatou o caso, Cohn-Bendit fez alguma autocrítica (“Soubemos destruir, mas não construir”; “xingar o professor Grappin como ele havia feito de nazista foi uma besteira terrível, porque ele fora da Resistência francesa”), e apresentou como utopia forte, para agora, a construção dos Estados Unidos da Europa. Nada mais.

Na companhia histórica do Maio Francês, vieram ao mundo a Tropicália e o Seargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o Charlie agora atacado e o saudoso Pasquim brasileiro, já sepultado. A famosa Passeata dos Cem mil, um marco na história política brasileira, é descendente direta do espírito libertário do Maio (dos jovens líderes políticos de então, quantos destinos: Vladimir Palmeira, José Dirceu, Fernando Gabeira, vá fazendo a conta).

De 68 pra cá são já quase 50 anos, o tempo de duas gerações na roda geral da história. E o caso é que os sessenta-e-oitistas chegaram ao poder, em toda parte. Nem sempre os mais radicais, certo, mas todos chegaram lá. O PT no Brasil, com Lula e agora Dilma (há o imperdível livro de Airton Centeno, da Geração Editorial, Os Vencedores:

A Volta Por Cima da Geração Esmagada Pela Ditadura de 64). Há mulheres presidentes na Argentina e no Chile, o índio Evo Morales na Bolívia, o ex-guerrilheiro Mujica no Uruguai, o mulato Obama nos EUA, e assim, em versões moderadas, na Europa ocidental praticamente toda, incluindo França, Espanha, Itália, Portugal, Inglaterra, Alemanha. E na Grécia agora, talvez na Espanha do “Podemos”.


Essa conta pode ser nos levar até a ponta, ou a uma das pontas, do novelo atual, este novelo, esta novela do nosso mal-estar. Um fim de ciclo, eis o pano de fundo da coisa toda, me parece.