21
de fevereiro de 2015 | N° 18080
DAVID
COIMBRA
Ideias que matam – como ser
breve
Sei
que você está mais interessado em saber quem será o novo centroavante do Grêmio
ou nas ideias do técnico do Inter do que no destino de velhos cartagineses, por
isso serei mais breve do que o rei Pepino, o Breve, que era breve mesmo, porque
era baixinho, mas que não era pepino, era Pépin, e pépin, em francês, significa
“semente”, e não “pepino”, que é “concombre”, então o breve do Pepino não é um
mistério da história, mas o pepino do breve, sim.
Droga.
Não estou sendo breve. Então, o serei e direi que, depois de toda a humilhação,
os cartagineses decidiram enfrentar os romanos, se acantonaram e resistiram a
um cerco de três anos. Quando os romanos por fim invadiram a cidade, foram
implacáveis: passaram os homens no fio da espada, escravizaram mulheres e
crianças e salgaram a terra para que lá belos e luzidios figos nunca mais
nascessem. Cartago foi destruída, como queria Catão.
Por
quê? Não por ideologia. Não por religião. Pelo poder.
Sem
Cartago como rival, os romanos podiam submeter os outros povos, e os outros
povos, depois de submetidos, se apaziguavam. Porque os romanos, em geral, não
mexiam nos estamentos das sociedades que conquistavam. A situação dos pobres
não piorava e a das elites quase sempre melhorava. Ficava tudo igual a sempre.
Ou desigual como sempre. Mas, como já disse, um pouco de desigualdade não
incomoda tanto.
Os
povos só se tornavam insubmissos quando os romanos se comportavam mal, como na
Bretanha. Os romanos não gostavam de morar naquela ilha chuvosa e fria,
sobretudo porque naquele tempo não havia Beatles nem Rolling Stones, acabavam
se irritando com os hábitos dos bretões e, sentindo-se distantes da autoridade
do césar, cometiam arbitrariedades contra a população.
Foi
esse o germinal de várias revoltas britânicas. Numa delas, os rebelados
destruíram uma colônia, que não era exatamente a colônia que você conhece.
“Colônia” era como os romanos chamavam os assentamentos de soldados aposentados
em terras conquistadas. Depois é que a palavra colônia ganhou acepção civil e
virou sinônimo de lindos lugarejos na serra gaúcha.
Pois
os bretões acabaram com essa colônia e mataram vários soldados e suas famílias.
Houve também uma inédita revolta liderada por uma mulher, Boadiceia, história
espetacular que não vou contar agora, porque prometi ser breve como o rei
Pepino. Agora, o que quero dizer é que os homens continuaram matando e morrendo
por poder, até que, primeiro com o monoteísmo e bem depois com a Revolução
Francesa, passaram a matar e morrer por deuses e ideias. Pela religião e pela
ideologia.
As
religiões matam por causa do prefixo “mono”: porque o monoteísmo, como a
monogamia, exige o monopólio da devoção. Os vários deuses da Antiguidade
conviviam harmonicamente uns com os outros, mais ou menos como convivem hoje os
10 mil santos do catolicismo, esse politeísmo envergonhado. Só que um deus do
monoteísmo não é sociável: Ele exige exclusividade.
As
ideologias, essas sempre mataram. As mais assassinas foram o nazismo e o
comunismo, verdugos de milhões. Já o capitalismo não é ideologia. Não é uma
ideia. O capitalismo não tem dogmas. O capitalismo é um sistema econômico que
aceita qualquer ideia, até o comunismo chinês. O capitalismo se molda à
doutrina que se apresentar, se adapta ao regime que for imposto e, por fim, se
acomoda para que a vida siga seu curso, exatamente como faz o povo. O povo
tenta sobreviver e se adequar às exigências dos que estão no poder. Não muito
mais do que isso.
Alemães
não são austeros, gregos não são perdulários, americanos não são liberais,
franceses não são esquerdistas. Podem até ser tudo isso como indivíduos, não
como povo. Como povo, eles, e todos nós, somos como qualquer povo: só queremos
viver bem. E morrer em paz. Fim.