sábado, 21 de fevereiro de 2015


21 de fevereiro de 2015 | N° 18080
CLÁUDIA LAITANO

Despedida

Publicado quinta-feira no New York Times, o artigo em que o neurologista britânico Oliver Sacks revela que tem um câncer terminal espalhou-se rapidamente nas redes sociais e foi traduzido e republicado em jornais do mundo inteiro nos últimos dias. Sacks, que ficou famoso escrevendo livros que ajudam o público leigo a entender como funciona o complexo e ainda misterioso cérebro humano, afirma no texto que pretende viver seus últimos meses de forma “rica, profunda e produtiva” – apesar do medo da morte, que ele não nega, e do inevitável distanciamento da maioria dos problemas que o ocupavam até o diagnóstico.

Promete não desanimar nem desistir de aprender, e mesmo de se divertir, mas confessa que deve se interessar menos por temas como a crise no Oriente Médio ou o aquecimento global. Diz que consegue ver a própria vida com clareza e sob uma nova perspectiva – e que o sentimento dominante, aos 81 anos, é de gratidão por tudo o que viveu e pelo que ainda pretende viver.

Nenhuma experiência pode tornar a vida mais intensa do que olhar a morte nos olhos – e quem nunca passou por um susto desse tipo pode apenas imaginar as emoções que mobiliza. Quanto mais velhos ficamos, porém, mais vamos nos acostumando a acompanhar, aflitos e impotentes, a jornada de amigos e parentes obrigados a lidar com diagnósticos desanimadores.

Uma das coisas que aprendi é que as reações, nesses casos, são quase sempre imprevisíveis. Há os que ficam desesperados e os que se tornam práticos, os que negam a doença e os que aprendem a conviver com ela, os que pedem ajuda e os que se isolam.

Obviamente não existe jeito certo ou errado de sair de cena ou de enfrentar a dor – há apenas o jeito possível. A despedida de Sacks nos comove e conforta porque, de alguma forma, parece vencer a morte em um dos seus aspectos mais cruéis, o de nos apanhar distraídos, numa terça-feira, com contas a pagar e sem oportunidade para um “adeus” ou um “muito obrigado”.


Como um médico acostumado a descrever casos clínicos complicados, Sacks investiga os próprios sentimentos e ajuda a iluminar os nossos. E a impressão que nos deixa é de que se despede sem rancor – como quem aceita que a morte, afinal, é o que torna a vida tão urgente e preciosa.