26
de fevereiro de 2015 | N° 18085
ARTIGOS
- VALTUIR PEREIRA NUNES*
DEMOCRACIA
É CONTROLE
Algumas
matérias jornalísticas nos apresentam situações com contornos quase apocalípticos.
A crise hídrica que assola o sudeste do Brasil, ameaçando milhões de
brasileiros, é um exemplo, demonstrando a necessidade de que se coloque no
centro da agenda política o tema da sustentabilidade e que se repense a água
como um bem finito. É igualmente de provocar arrepios a reportagem que
denunciou a chamada “máfia das próteses”. As condutas reveladas de forma
competente pelo repórter Giovani Grizotti evidenciam que os enfermos e a população
são as vítimas, fragilizadas, respectivamente, pela saúde debilitada – naturalmente
geradora de desespero que os tornam receptivos a qualquer proposta – e pelo
patrocínio infiel do mandatário.
Lá e
cá, a propina traduz o valor que poderia ser convertido em economia individual
ou à coletividade, que enfrenta um conjunto de dificuldades decorrente da
escassez de recursos financeiros. Nas duas situações, a lealdade é desprezada,
porquanto tais médicos e gestores contam com uma “procuração”, outorgada por
quem, via de regra, desconhece o tema e confia ter seus interesses geridos da
melhor forma possível.
Prosseguindo
as comparações, chama atenção a parte da matéria na qual um funcionário de uma
empresa fornecedora de material cirúrgico afirma que basta colocar um
determinado item no edital que a licitação terá “endereço certo”. Aqui cabe uma
reflexão.
O
Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) tem identificado vários processos de
licitação em que, por vezes de forma involuntária, há direcionamento do
certame, impedindo que a administração pública tenha acesso à melhor proposta. Por
este motivo, o Tribunal tem determinado cautelarmente, diante da inconsistência
flagrada, que editais sejam refeitos ou mesmo que determinadas obras sejam paralisadas.
Muitas vezes, por conta dessa fiscalização, há quem considere nossa postura
excessiva. É possível que, depois da reportagem sobre a “máfia das próteses”,
sejamos menos incompreendidos.
É evidente
que, assim como ocorre com os médicos, apenas uma minoria de gestores pode ser
arrolada entre os desonestos. O que não parece evidente é que a incidência de
casos do tipo seria muito maior sem a democracia que nos garante uma imprensa
livre e instituições de controle cada vez mais efetivas.
*Diretor-geral
do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS)