terça-feira, 24 de fevereiro de 2015


24 de fevereiro de 2015 | N° 18083
DAVID COIMBRA

As brasileiras nuas

Há coisas que só o Brasil tem. Olhando assim de longe é que a gente percebe. No quesito, digamos, moralidade sexual, o Brasil é muito mais relaxado do que qualquer outro lugar do planeta. O Carnaval mostra isso com fartura. As mulheres desfilam praticamente nuas, algumas só com aquele tapa-sexo pequeninho, umas nem isso.

A Mulata Globeleza passa todo o verão sambando nuinha na telinha, da manhã à noite, inclusive em meio à Sessão da Tarde. E, tomando a TV aberta como medida do senso comum, veem-se, durante a programação diária, com serena naturalidade, travestis variados e todos os tipos de casais homossexuais.

Como é que pode alguém reclamar de repressão sexual no Brasil?

Não estou dizendo que isso é bom ou ruim, estou fazendo uma constatação. Talvez seja prova até de certa evolução brasileira, produto da nossa suave miscigenação, da cordialidade com que encaramos as relações sociais, como já identificou o Sérgio Buarque de Holanda. Talvez.

O fato é que somos diferentes. Na Alemanha, vi mulheres completamente nuas tomando sol nos parques públicos. Mas é uma nudez anódina, você olha para aquelas mulheres e vê apenas um corpo humano, conjunto de cabeça, tronco e membros, só que sem roupa. Poderia ser um cadáver. A nudez das brasileiras, não. Na avenida, em cima de um carro alegórico, elas estão rebolando sobre saltos de 15 centímetros de altura, faiscantes de cores, ataviadas com penas como se fossem grandes pássaros, a sensualidade exsudante.

Isso se vê nas ruas. Quando você está no Exterior, reconhece uma brasileira até pelo jeito de andar. A feminilidade da brasileira é coruscante, perto de uma anglo-saxã.

Ao mesmo tempo, a nossa flexibilidade moral explica o crescimento da onda moralizante no país. Não é à toa que a bancada evangélica no Congresso é a maior da história. O Brasil é um país violento, em que mais de 100 mil pessoas morrem em acidentes de trânsito ou assassinadas a cada ano, é um país em que a corrupção das autoridades explode todos os dias, é um país em que a falta de planejamento leva a crises de água e de energia elétrica, é um país com saúde, educação e transporte precários. Misture a essa paisagem tensa as imagens de inédita liberdade sexual na TV e o resultado são mentes confusas, tudo parece Sodoma, Gomorra e Chicago dos anos 30.


O povo brasileiro está clamando por disciplina e é nessa hora que surgem os falsos profetas, os aproveitadores, os salvadores da pátria. À direita ou à esquerda, entre Marcos Felicianos e Jeans Wyllys, só o que se encontra é o confronto. Tudo é emocional, tudo se transforma em bandeira. Poucos perigos são maiores do que viver num tempo sem ponderação.