terça-feira, 9 de agosto de 2022


09 DE AGOSTO DE 2022
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Oitenta

Domingo, Caetano Veloso completou 80 invernos. Esses dias foram o Gil e o Paul McCartney, logo ali o Paulinho da Viola. Aqui em Porto Alegre, completam os mesmos 80 dois queridos amigos meus, a Haydée Porto e o Paulo Coimbra Guedes. Todos artistas de relevo, referências para a minha vida. Oitenta para mim era uma idade inverossímil até uns anos atrás. Mas deixou de ser, como muitas outras coisas que o tempo vai impondo a quem segue respirando.

Mas oitenta anos celebrados no planalto de uma obra maiúscula é coisa para alegrar. Qualquer um de nós, brasileiros que agora temos mais de 25 ou 30 anos, pode cantar muitas canções, recitar uma frase ou outra, lembrar um trejeito nascido da verve de Caetano.

Sua arte principal é a brigada ligeira da canção, essa arte que a cultura brasileira elevou, como em poucas outras culturas, à condição de grande arte. Mas Caetano é também um pensador (e um cineasta, que ele diz ser sua primeira vocação artística), com dezenas de artigos, quase sempre instigantes, e um livro de ensaio, Verdade Tropical. E é mais ainda: é um pensador inclusive ao produzir suas canções, que poucas vezes se afastam do compromisso de pensar a vida, discutir o Brasil, meditar sobre a tecnologia, analisar eventos culturais.

Caetano pratica também outro gênero discursivo, menos prestigiado academicamente mas nem por isso irrelevante: a entrevista. Ao longo de suas seis décadas de carreira, ele deu centenas de entrevistas fazendo o entrevistador de "sparring", de oponente necessário para desferir seus golpes de inteligência.

Numa delas, muitos anos atrás, primeiros anos 70, dada a um jornalista francês, ele foi brilhante. Perguntado sobre por que os cancionistas brasileiros eram tão demandados pela imprensa para comentar de tudo, ao contrário do que ocorria na França, em que os mais demandados eram filósofos, sociólogos, escritores, Caetano saiu com uma tirada genial: é porque o Brasil é um país de analfabetos, e a canção é uma forma acessível para eles.

E mais: é também porque a canção no Brasil se tornou um meio confiável de entender o mundo. Qualquer coisa relevante que aconteça, pode esperar que em pouco tempo vai aparecer uma canção a comentar o caso, mastigando a coisa de forma a completar a educação emocional do ouvinte.

Lembro nitidamente dos 40 anos de Caetano. Eu tinha 24 anos e não conseguia aceitar intimamente que alguém com mais de 40 anos permanecesse vivo para mim, como um artista relevante. Eu estava tão errado...

LUÍS AUGUSTO FISCHER

Nenhum comentário:

Postar um comentário