Oitenta
Domingo,
Caetano Veloso completou 80 invernos. Esses dias foram o Gil e o Paul
McCartney, logo ali o Paulinho da Viola. Aqui em Porto Alegre, completam os
mesmos 80 dois queridos amigos meus, a Haydée Porto e o Paulo Coimbra Guedes.
Todos artistas de relevo, referências para a minha vida. Oitenta para mim era
uma idade inverossímil até uns anos atrás. Mas deixou de ser, como muitas
outras coisas que o tempo vai impondo a quem segue respirando.
Mas
oitenta anos celebrados no planalto de uma obra maiúscula é coisa para alegrar.
Qualquer um de nós, brasileiros que agora temos mais de 25 ou 30 anos, pode
cantar muitas canções, recitar uma frase ou outra, lembrar um trejeito nascido
da verve de Caetano.
Sua
arte principal é a brigada ligeira da canção, essa arte que a cultura
brasileira elevou, como em poucas outras culturas, à condição de grande arte.
Mas Caetano é também um pensador (e um cineasta, que ele diz ser sua primeira
vocação artística), com dezenas de artigos, quase sempre instigantes, e um
livro de ensaio, Verdade Tropical. E é mais ainda: é um pensador inclusive ao
produzir suas canções, que poucas vezes se afastam do compromisso de pensar a
vida, discutir o Brasil, meditar sobre a tecnologia, analisar eventos
culturais.
Caetano
pratica também outro gênero discursivo, menos prestigiado academicamente mas
nem por isso irrelevante: a entrevista. Ao longo de suas seis décadas de
carreira, ele deu centenas de entrevistas fazendo o entrevistador de
"sparring", de oponente necessário para desferir seus golpes de
inteligência.
Numa
delas, muitos anos atrás, primeiros anos 70, dada a um jornalista francês, ele
foi brilhante. Perguntado sobre por que os cancionistas brasileiros eram tão
demandados pela imprensa para comentar de tudo, ao contrário do que ocorria na
França, em que os mais demandados eram filósofos, sociólogos, escritores,
Caetano saiu com uma tirada genial: é porque o Brasil é um país de analfabetos,
e a canção é uma forma acessível para eles.
E mais:
é também porque a canção no Brasil se tornou um meio confiável de entender o
mundo. Qualquer coisa relevante que aconteça, pode esperar que em pouco tempo
vai aparecer uma canção a comentar o caso, mastigando a coisa de forma a
completar a educação emocional do ouvinte.
Lembro
nitidamente dos 40 anos de Caetano. Eu tinha 24 anos e não conseguia aceitar
intimamente que alguém com mais de 40 anos permanecesse vivo para mim, como um
artista relevante. Eu estava tão errado...
LUÍS AUGUSTO FISCHER
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