ADESÃO À DEMOCRACIA
O Brasil democrático consolidou o costume do
comparecimento pacífico às urnas a cada dois anos para escolher gestores
públicos e legisladores. A campanha eleitoral é o momento em que os candidatos
tentam renovar seus mandatos ou então se apresentar como opção para a saudável
alternância de poder no Executivo e nos parlamentos. Trata-se de um jogo de convencimento
dos eleitores, a partir do cotejo de propostas, ideias, biografias e avaliação
do desempenho de quem tenta permanecer no posto em que está. Faz parte da
democracia, ainda, a livre manifestação dos cidadãos sobre as suas preferências
pessoais, partidárias ou ideológicas, respeitando-se os limites da legislação.
A eleição que se aproxima, no entanto, traz um
componente novo. A divisão da sociedade vem se aprofundando, com reflexos até
mesmo em relações pessoais e familiares, elevando a tensão a patamares que, há
poucos anos, seriam inimagináveis. Divergências próprias das democracias se
transformaram em intolerância. Dessa exacerbação emergiram inclusive
impensáveis, mas reiteradas, ameaças de contestação ao resultado das eleições
por parte do presidente Jair Bolsonaro e de apoiadores, com repetidas alegações
sem sustentação em fatos.
Como a insistência, ao fim, põe em risco a própria
democracia e o dever de obediência à Constituição, é natural e salutar que
vozes de cidadãos e instituições se ergam para defender o sistema eleitoral e o
Estado de direito. Afinal, o desejo da maioria, demonstrado pelo voto, é a
forma mais legítima de uma nação escolher o seu destino. Enfraquecer os valores
republicanos, por outro lado, abre portas para o desequilíbrio entre os poderes
e para tentações autocráticas.
Nos últimos dias, vieram a público diversos
manifestos em defesa da democracia, como os organizados pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP) e pela Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp). Em um mesmo texto, é possível encontrar a adesão
de atores de diferentes partidos e com interesses distintos, como sindicatos
patronais e de trabalhadores, mas que convergem na compreensão de que apenas
com o respeito ao império da lei será possível construir uma sociedade mais
estável, próspera e justa.
Ser signatário de uma carta em defesa da democracia
significa apenas isso: repetir que as regras da disputa têm de ser respeitadas.
Não representa preferência a um ou outro candidato ou sigla, mas subserviência
à vontade popular expressada nas urnas em um processo conduzido com grande
credibilidade - e reconhecimento internacional - pela Justiça Eleitoral
brasileira. Assumir uma posição de proteção aos valores democráticos é tão
somente um imperativo moral de todos os que não aceitam a mínima possibilidade
de o país retroceder na marcha civilizatória.
Todo brasileiro, pessoa física ou entidade, tem o
direito de exercer a sua cidadania e exteriorizar as suas opiniões. Existem
limites, no entanto. Pontos de vista e convicções podem e devem ser
manifestados, mas há de se ter respeito aos que pensam diferente. Discurso de
ódio, execrações e incitação à violência, por outro lado, são daninhos à
convivência pacífica que deveria prevalecer entre os concidadãos, especialmente
após o resultado da eleição ser proclamado. São os líderes políticos que
deveriam dar o exemplo aos seus apoiadores, reforçando a convicção de que a
higidez da democracia, como já repetido neste espaço outras vezes, é
inegociável.
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