22
de junho de 2014 | N° 17837
MARTHA MEDEIROS
Morri
É
uma das gírias do momento: Morri (mas dizem que já começa a cair em desuso,
fenecendo ela própria).
“Morremos”
quando ficamos impactados por algo, quando um acontecimento nos tira o ar,
quando não acreditamos no que estamos vendo, ou seja, quando parece que fomos
para o céu. Sem fatalismo, é apenas uma gracinha.
Tenho
simpatia pelo uso corriqueiro e desestressado de tudo que invoque a palavra
morte. Na mesma proporção, sinto um certo desprezo pela reverência
aterrorizante que prestam a ela. Qual o problema, morrer?
Não
tenho medo da morte porque já morri muito.
Não
apenas em momentos quando cabia o uso da gíria (durante minha música preferida
num show, quando me deparei com uma praia paradisíaca, quando ouvi algo que eu
esperava escutar havia tempo), mas, muitas vezes, no sentido fúnebre mesmo:
morri todas as vezes em que me frustrei, morri quando deixei a infância, morri
quando deixei a puberdade, morri quando passei por finais de amor, morri quando
passei adiante apartamentos em que vivi, morri por todas as minhas
desistências, morri diante de cada tarefa terminada, morri quando machuquei
algumas pessoas sem querer, morri nas inúmeras vezes em que fui machucada,
morri tanto por ferimentos leves quanto por balaços à queima-roupa.
E
morri em solidariedade à morte dos outros, morri diante de tragédias que não
foram comigo que aconteceram, morri pelas estatísticas, morri de vergonha
alheia, morri pelo que passou raspando. Tudo o que acontece de triste a
qualquer outro ser humano, passa rente a nós.
Morri
por excesso de sensibilidade e às vezes por um rigor desmedido, mesmo que, em
termos genéricos, procure ver alguma graça em tudo.
Agorinha
mesmo, 10 minutos atrás, morri um pouquinho. Coisa de nada. Já voltei.
Sem
morte, não há vida. Quem não morre, não renasce, não volta mais atento, não
volta mais amoroso, não volta mais experiente, não volta. Vira cadáver já na
primeira morte, que pode ter acontecido aos cinco anos, aos 12, aos 16: quando
você morreu pela primeira vez?
Minha
relação amistosa com a morte vem justamente do exagero de amor que tenho pela
vida, pela profunda capacidade de regeneração que me trouxe até aqui,
habilitada para extrair alegria das mínimas coisas e êxtase das maiores. É por
já ter morrido muito que vibro quando o telefone toca, quando o dia amanhece
com sol, quando vejo os amigos, quando pratico exercícios, quando aprendo uma
atividade nova, quando acerto, quando sorrio, quando comemoro.
Não
é só a iminência de uma morte definitiva que nos faz valorizar cada dia
respirado, mas também as sucessivas mortes pontuais, aquelas que nos dão o
passe para finalizar a próxima jogada com mais êxito.
Morreu?
Nasce um novo começo.