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de junho de 2014 | N° 17841
LUCIANO
ALABARSE
O BRASIL
DESEJADO
Dia
desses, Marcelo Coelho escreveu um artigo em que confessava não entender um
outro, o de Nuno Ramos, ambos publicados na Folha de S.Paulo. Em tom perplexo,
o grande artista plástico expressava “suspeitas” contundentes a respeito do
futuro brasileiro, com a premissa de que nossa violência social se reveste de
níveis incontroláveis e bandeiras políticas contraditórias.
Terminava
com uma frase impactante: “Suspeito que estamos fodidos”. Coelho credita tais
reflexões desesperançadas à uma “perda de objeto”: algo se perdeu no país, sem
ninguém saber bem o que nem quando – e o que perdemos não voltará. Um país
perdido. Sem esperança. Sem confiança ou crença. Terrível.
Ou
sucumbimos ao pessimismo de Nuno Ramos ou fazemos como o poeta, que “durante o
nevoeiro leva o barco devagar”. Contradições sociais exigem escrita que não se
prenda a regras de escrita culta, mas que mostre adequação e pertinência.
Longos parágrafos como Saramago. Frases elípticas como James Ellroy. “Sem
regras, então? Vale tudo?”. Não. Talvez seja isso o que nós, brasileiros, mais
precisamos agora observar: regras. De educação, convívio e cidadania. Comuns a
todos: presidentes, elites, obreiros e artistas.
Lya
Luft já comparou o ato criador a um mergulho em tanque sujo, onde o artista
precisa encontrar imagens escondidas na sujeira volátil do tanque cheio. Fazer
teatro, meu ofício primordial, é isso. Mergulhar no tanque e buscar o que texto
e encenação requerem. Agonia e êxtase ininterruptos. Como o bom cinema e o bom
teatro, “fazer” um país exige capacitação. Leitura também. Comecei seis vezes o
Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa, antes de engrenar. Passei anos sem
ler inteiro o Ulisses, do James Joyce. Um dia consegui.
Ler
mestres, como os acima citados, ou um cronista amador, como eu, pede sintonia.
Não aciono o piloto automático no teatro. Nem aqui. Tenho “o álibi de ter
nascido ávido”. Às vésperas de estrear espetáculo novo, A Vertigem dos Animais
Antes do Abate, o fenômeno se repete: a água suja da criação me congela mais
que o inverno gaúcho.
Mas não desisto. Nem do teatro, nem da vida que me cabe.
Também não desistirei do Brasil enevoado. Almejo nosso real protagonismo
construindo o país desejado. Um Brasil generoso e insuspeito. Que não xingue
autoridades em cerimônias públicas. Melhor assim. Navegar é preciso.