29
de junho de 2014 | N° 17844
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Separações
líquidas
Casar
virou namorar, namorar virou ficar, ficar virou provar.
Acredito
que todo mundo casa fácil porque é também muito fácil se separar.
Nos anos
70, o casamento era medido por décadas. Mesmo quando um casamento fracassava,
durava no mínimo duas décadas.
Nos
anos 80, o casamento era medido por anos. Mesmo quando um casamento
desmoronava, durava no mínimo cinco anos.
O
casamento hoje é por dia. Como se fosse hotel.
Agora,
o matrimônio cobra diária. Todo dia é dia de se separar. E por qualquer coisa.
Las
Vegas do divórcio é aqui.
Você
pode sair de manhã, eufórico e confiante, extremamente disposto, seguro do
romance, e quando voltar à noite não encontrar mais ninguém ao seu lado.
Se
cometeu uma falha, nem terá oportunidade de se explicar. Se não errou, nem terá
chance de entender e desfazer confusões.
É
tão simples se divorciar que ninguém mais pretende se estressar. Não há nem o
civilizado e educado aviso de despejo. É dar as costas, largar o passado e
seguir adiante. Quebrou o amor, troca! Quebrou o amor, compra outro! Quebrou o
amor, não vale investir consertando!
Os
casais não brigam mais até cansar para, então, se separar. Não brigam mais até
esgotar as possibilidades para, então, se separar. Não tentam durante semanas e
semanas expor as dores, as feridas e a raiva para, então, se separar. Não
recorrem ao choro, à histeria, ao perdão, ao abraço, ao exorcismo, aos centros
religiosos, aos amigos, aos parentes para, então, se separar.
A
separação vem antes. A separação é a regra. A separação é o hábito. A separação
é seca, definitiva, sem explicações.
As
pessoas se separam primeiro para depois discutir. As pessoas se separam
primeiro para depois conversar. As pessoas se separam primeiro para depois
desabafar o que incomoda.
Elas
arrumam todas as malas, esvaziam os armários, realizam a limpa no apartamento e
depois, se houver vontade, se encontram e sentam frente a frente para resolver
as diferenças.
São
uniões interrompidas com silenciadores, distante de estampidos e gritos.
Ninguém
se separa de fato, todo mundo deserta, todo mundo abandona a convivência.
É
uma irresponsabilidade extraordinária com o outro, é uma indiferença tremenda
ao que foi construído com o outro, é um desprezo ao que foi sonhado a dois.
E os
motivos podem ser os mais loucos e insignificantes. O desenlace não ocorre mais
por justificativas duras como adultério e deslealdade.
Há
gente que se separa por incompatibilidade de gênios (expressão que denuncia
megalomania, o correto seria incompatibilidade de burros).
Há
gente que se separa porque não suporta o medo de ser traído.
Há
gente que se separa porque estava muito feliz e não aguentava tamanha pressão.
Há
gente que se separa porque se viu entregue ao relacionamento e estava perdendo
a identidade.
Há
gente que se separa porque não sabia mais o que estava fazendo da vida.
Há
gente que se separa porque não esperava que fosse assim.
Atualmente
entra-se numa relação e não se fecha a porta – a porta permanece encostada o
tempo inteiro.