26
de junho de 2014 | N° 17841
MÁRIO
CORSO
Deuses e
astronautas
Lido
aos 16 anos, Eram os Deuses Astronautas, de Erich von Däniken, marcou minha
adolescência. Hoje discordo de suas teses, na época encaradas com seriedade.
Jung dizia que a fé e os discos voadores funcionam como uma gangorra. Por isso,
quando a religião perdeu seu prestígio, surgiram os extraterrestres, a
contribuição magna do século 20 para o menu de seres fantásticos que nos
assombram.
Este
livro era uma resposta aos sempre presentes enigmas da origem. Segundo Däniken,
o que nos tornou humanos e nos fez chegar aonde chegamos, foi-nos oferecido por
visitantes espaciais. Eles teriam feito parte do nosso passado, mas nossos
tolinhos antepassados os tomaram como deuses. Apesar do acerto em pescar as
questões quentes sobre a humanidade, a saída proposta resvala na
superficialidade, confunde história e mito, e não resiste a uma crítica dos
pontos de vista da arqueologia, da história e da antropologia. Enfim, uma
simpática maluquice bem articulada.
Quando
vejo o surgimento de novos mitos, lembro da minha relação com essas teorias
mirabolantes, que foram presentes em um momento da vida cheio de inquietações.
São teorias pseudocientíficas, conspiratórias, mitologia rala, vendidas como
revelação, frente às quais tenho um certo incômodo e ao mesmo tempo empatia, já
fui usuário.
A
internet não as inventou, mas potencializa uma série delas, como a farsa da
viagem à Lua, vacinas que causam autismo, a aids, que fora criada em
laboratório, entre tantas. História e ciência levam muito tempo para serem
entendidas, mais trabalhoso ainda é a coragem para enfrentar o desamparo de
viver sem pensamentos mágicos. Infelizmente, a ciência não substitui bem a
religião no item conforto espiritual.
Já a
maioria das teorias conspiratórias, mesmo que tornem o mundo e o universo mais
assustadores, podem ser repousantes. Paradoxalmente, é pior suportar o
aleatório, o incompreensível, à sensação de ser apenas poeira cósmica. Levar
fantasias a sério economiza estudo, pensamento, biblioteca e principalmente
angústia.
Ainda
por cima, elas somam o charme do secreto e transgressivo: seriam uma verdade da
qual os poderosos estariam mantendo-nos alienados, mas nós enxergamos além.
Supor que somos enganados é tentador, pois contém a ideia de que tudo tem
explicação, apenas estamos alijados dela. Qualquer teoria, mesmo capenga, é
preferível ao vazio de sentido com que podemos nos deparar.
O
céu ainda me causa assombro, mas meu firmamento, para meu azar, ficou menos
povoado. Sobrevivo sem deuses, anjos e astronautas, a fantasia teve que
procurar outras moradas, mas eles me fazem uma falta!