21
de junho de 2014 | N° 17835
CLÁUDIA
LAITANO
Depois do erro
Meu
grande medo-assombração é o de inadvertidamente causar a morte ou o ferimento
de outra pessoa. Já tive diferentes tipos de pesadelo com situações desse tipo:
um objeto que cai da janela e machuca alguém que passa na rua, um ferro ligado
causando um incêndio terrível, uma maionese estragada levando todos os convidados
de uma festa para o hospital.
Esse
pesadelo íntimo talvez explique por que a ideia de pilotar aviões ou operar
cérebros sempre tenha me parecido apavorante. Não imagino como seria capaz de
conviver com a culpa do erro, da inabilidade, da barbeiragem, se isso, de
alguma forma, trouxesse consequências graves para outras pessoas. Pilotar
aviões e operar cérebros são tarefas talhadas para quem é capaz de agir e
pensar com a mesma velocidade e eficiência, dominando as próprias emoções mesmo
quando outras vidas dependem do acerto de uma única decisão. Um dom que admiro,
mas não exatamente invejo.
Escrever,
por sua vez, permite que se estique o intervalo entre pensar e agir: é sempre
possível ir corrigindo o pensamento à medida que ele se exterioriza em um texto,
voltar atrás, burilar, considerar outros pontos de vista, esfriar a cabeça –
embora muita gente nem sempre faça uso desse recurso tão elegante da palavra
escrita e cometa erros potencialmente tão graves quanto os que causam incêndios
ou intoxicação.
Com
exceção do meu medo-assombração, para todos os outros sempre há algum tipo de
remendo possível e uma lição a ser aprendida. Somos, em essência, o resultado
das providências que tomamos diante de erros que cometemos – e também do que
deixamos de fazer porque já era tarde demais para agir. Sempre acreditei na
máxima de Samuel Beckett: “Tentar. Errar. Não importa. Tente de novo. Erre de
novo. Erre melhor”. Mas hoje Bekett talvez tivesse que acrescentar: se errar em
público, não esqueça de contratar um “reputation manager” para apagar o
incêndio.
Depois
de apagar o incêndio dos últimos dias, Mario Cesar Conti, o jornalista que
confundiu Felipão com um sósia nesta semana, deve ser lembrado como o autor de
um dos mais bizarros erros da história da imprensa brasileira. É difícil não
sentir compaixão pelo homem – assim como é quase impossível não ver o lado
cômico da trapalhada. Mas quando todas as piadas e memes já tiverem se
esgotado, quando a história tiver perdido o interesse imediato e tornar-se
apenas uma nota vexatória na biografia de um jornalista conhecido e respeitado,
ainda haverá quem se pergunte como alguém enfrenta um episódio desse tipo – e
como sai dele depois.
Pois
desse lugar sinistro de onde brotam as falhas que se tornam públicas, assim
como todas as decisões pelas quais intimamente nos penitenciamos, surgem também
algumas das mais reveladoras e intensas experiências da nossa falível – e
essencialmente solitária – condição humana.