18
de junho de 2014 | N° 17832
MARTHA
MEDEIROS
Cangurus e
tamancos
Nesta
quarta-feira foi preciso decidir entre acordar holandesa ou australiana – não
concebo presença num estádio sem torcer para alguém. Estarei às 13h no
Beira-Rio, e mesmo não sendo meu time que entrará em campo, torcerei. Mas para
quem? Holanda ou Austrália? Com que roupa eu vou?
Eu
tinha pouca idade – quatro, cinco anos? – e já sentia fascínio pela Holanda, um
país do qual eu nada sabia, a não ser que tinha nome de mulher e sobrenome de
Chico Buarque. Assim iniciou minha simpatia. Holanda, 1 x 0.
Aí
ganhei de uma tia um par de tamancos de madeira. Ela havia retornado de uma
viagem por aquele país que parecia tão feminino na minha imaginação, enquanto
que da Austrália eu ainda não tinha notícias. Holanda, 2 x 0.
Então,
virei adolescente e comecei a trocar cartas (cartas!) com uma neozelandesa que,
por ser vizinha dos australianos, poderia ser considerada como tal. Foi por
causa dela, da Michelle, minha primeira amiga além-mar, que comecei a
simpatizar com cangurus também. 2 x 1.
Mas
a Holanda tinha tulipas, e desde muito cedo desenvolvi o apego por flores, por
todas elas – um apego que se mantém até hoje – e a Holanda marcou de novo: 3 x
1.
A
Austrália tinha praias, era um país jovem, a longa distância me induzia a pensar
que era um destino para quem não tinha outro objetivo a não ser a boa vida.
Mas, afora esse saudável oba-oba, me fazia falta alguma informação mais
consistente. Eu seria capaz de citar um pintor australiano? Àquela altura, já
havia aprendido a gostar de arte e uma reprodução caprichada de Van Gogh
inspirava a família na parede de casa. Holanda, 4 x 1.
E
chegou o dia de viajar para o Exterior pela primeira vez. Europa, meu foco.
Quando desembarquei em Amsterdã, aluguei uma bicicleta, tomei algumas Heineken
e me entortei a fim de homenagear a bebedeira arquitetônica das casas que
margeiam seus canais, umas escoradas nas outras, como quem volta de uma noitada
forte. Pirei com (e em) Amsterdã. Já era uma goleada: 5 x 1.
Quando
a Austrália parecia irremediavelmente humilhada, eis que assisto a um filme com
um ator australiano que eu nunca vira antes. Ele se chamava Hugh Jackman e me
causou boa impressão. A Austrália descontou com categoria: 5 x 2.
Eis
a lógica matemática da Copa. Ao menos a lógica de uma fan (farrona) do esporte,
que não entrou em nenhum bolão, não entende profundamente de futebol nem de
nada, que não sabe muito bem para quem torcer quando não é a seleção do seu
país que está em campo, mas que faz questão de acompanhar o entusiasmo da festa
com a irreverência permitida pela ocasião. Para quem torcer, Van Gogh ou
Wolverine? E para qual resultado?
5 x
2. É justo. Afinal, o que se quer é gol para tudo que é lado. E Van Gogh
gostava de girassóis.