Jaime
Cimenti
E
palavras...
Essa
luz dos céus de Porto Alegre em abril, maio ou junho parece originada de uma
descomunal lâmpada dicroica e pousa suave nas folhas douradas das superfícies
ensaibradas do Parcão, onde caminho para ativar a circulação da cidade e a
minha. Em certos bancos, como sempre, algumas pessoas estão sentadas, sozinhas
ou não, e almoçam o gostoso e alentador cachorro-quente fornecido numa camionete
próxima. Muitos não compraram água mineral ou refrigerante para acompanhar o
lanche.
Talvez
aproveitem, depois, a água gratuita dos bebedouros públicos, que eu tomo há
décadas e nunca me fez mal. É almoço de uns cinco reais, tocando a vida, quem
sabe, acompanhado com um solzinho, uns sonhozinhos, esperanças de emprego,
saúde, segurança e educação melhores. Não é só de madrugada que o
cachorro-quente é o melhor amigo de muitas pessoas.
Vou
seguindo meu caminho, imaginando que o laguinho do Parcão é a Lagoa Rodrigo de
Freitas, no Rio de Janeiro, e que a passarela da Goethe parece a do aterro do
Flamengo. Com esse visual do Parcão, penso que os Jardins de Luxemburgo de
Paris, o Central Park de Nova Iorque e o Hide Park londrino estão aqui, sem
passaporte, problemas aviatórios, diárias exorbitantes de hotéis e outros altos
custos.
Vou
andando, ouvindo papos da gurizada falando de festas, amores e desamores;
senhoras falando de dietas, roupas, penteados, trabalho, amigas, ex-amigas,
maridos, ex-maridos, pensões e ex-pensões; aposentados falando sobre
aposentadorias, filhos, netos e alguns passados que teimam em andar pelo
presente. No início, no meio e ao fim e ao cabo da caminhada, me apodero da
alegria de ver, com todo o respeito, claro, mães, vovós, crianças e babás, tão
bonitinhas, na pracinha dos brinquedos.
Ah,
claro, o atleta-símbolo do Parcão está no banco central, se exercitando, como
sempre, há décadas, mostrando sua disposição e sua lataria de dar inveja e
inspiração aos outros desportistas do pedaço. Depois da água de côco, alimento
só menos saudável que o ovo, feliz e infelizmente é preciso tomar o rumo de
casa, do trabalho e se envolver com as guerras, as pazes, as alegrias e as
tristezas das diversas copas do mundo que travamos no cotidiano dessa vida.