29
de junho de 2014 | N° 17844
ANTONIO
PRATA
É pavê ou
pacomê?!
Tem
gente que se irrita, que suspira e vira os olhos como um filósofo vendo TV ou
um cientista lendo o horóscopo, mas eu, não. Eu sorrio feliz e contente toda
vez que escuto alguém perguntar, diante de um pavê, com a certeza do primeiro
ser humano tocado pela luz da inspiração: “É pavê ou pacomê?!”.
Que
coragem. Veja, vivemos sob a égide do grande Deus Photoshop. Começamos tirando
as celulites das bundas, passamos a cortar as estrias dos discursos e, hoje,
removemos manchinha por manchinha de nossas facebúquicas personalidades. Nesta
era da performance, em que cada ideia é cuidadosamente escanhoada antes de ser
posta no mundo, em que cada julgamento é miligramicamente pesado para se
avaliar os seus efeitos – seus likes, deslikes e retuítes –, enfim, nestes
tempos bicudos em que a canalhice é perdoada, mas a ingenuidade, não, o cidadão
me sai com essa: “É pavê ou pacomê?!”. Que coragem.
Trata-se,
evidentemente, de um espírito superior. Um homem acima da moral de sua época,
que não tem vergonha de baixar a guarda e mostrar-se desprotegido, como aqueles
peladões que, antigamente, surgiam correndo no meio de um jogo de futebol.
Como
eram felizes os peladões de antanho, livres e despropositados, ziguezagueando
entre jogadores perplexos e policiais furibundos. Agora, os peladões têm
objetivos, estratégias, método. Desnuda-se pelo fim da corrupção, pelos
golfinhos, pela bicicleta. Tudo bem, é sempre melhor ver ativistas ucranianas
em pelo (ou sem pelo nenhum) defendendo uma causa nobre do que ruralistas
(vestidos, felizmente) atacando as leis ambientais.
Sejamos
anarquistas ou sojicultores, despidos ou de burca, contudo, fomos todos
cooptados pela cartilha do cálculo. No século 21, até adestrador de cachorro
tem assessor de imprensa, pipoqueiro faz coaching, refém de assalto a banco
imagina, com uma arma na cabeça, como vai capitalizar a experiência, saindo
dali: palestra motivacional? Biografia? Autoajuda? Só nosso amigo do pavê não
pensa nos efeitos e consequências de seu ato: simplesmente segue o impulso. É o
último romântico, filho temporão de Jacques Tati, neto do Charlie Chaplin,
lutando contra as catracas do bom (sic) gosto, da etiqueta, da inteligência.
Ah,
a inteligência, superestimada virtude! Goebbels, Stalin, Kalashnikov e o
inventor do telemarketing eram todos inteligentíssimos e o mundo passaria bem
melhor se, em seus lugares, tivéssemos um punhado de figuras capazes de
desafiar a família, os amigos, os chefes e colegas de trabalho, sem medo do
ridículo ou de retaliações, em nome de uma piada (dita) infame.
“Bem-aventurados
os do ‘pavê ou pacomê’, pois verão a face de Deus”, diria Jesus, na Galileia,
se na Galileia já houvesse pavê. Não havia – mal havia pacomê –, de modo que os
bravos iconoclastas seguem na luta sem o beneplácito de Deus, enfrentando com a
cara e a coragem o desdém da sociedade. Não desanimem, irmãos: saibam que, se
não têm o testemunho de Mateus, contam ao menos com o apoio deste modesto
cronista, sempre disposto a responder, com a colher em riste e a fé no futuro:
“Pacomê!”.
Bem-aventurados
os puros de coração.