04
de fevereiro de 2015 | N° 18063
DAVID
COIMBRA
Pela legalização das
drogas
Havia,
nos anos 70, uma dupla de músicos chamada de “a dupla da ditadura”: Dom e
Ravel. Foram autores de várias musiquinhas ufanistas utilizadas pela propaganda
do regime, o que lhes rendeu o opróbrio nacional depois de passados os anos do
“milagre econômico”. Morreram amargurados e esquecidos, negando que tivessem
feito qualquer composição a pedido dos militares, e acho até que era verdade. É
bem provável que Dom e Ravel não apoiassem conscientemente a ditadura. Podiam
ser considerados culpados, apenas, pelas músicas ruins que cometeram.
Uma
delas tornou-se o hino do regime: Eu te Amo, meu Brasil. Era uma marchinha
festiva. Começava assim: “As praias do Brasil ensolaradas, lalaiá-lá...”. E
seguia num encadeamento condoreiro, elogiando as nossas mulheres, que têm mais
amor, as nossas tardes, mais douradas, nossas mulatas, que brotam cheias de
calor, e a nossa juventude, que ninguém seguraria.
Até
certo tempo, o brasileiro, saudavelmente, nunca se levou a sério e sempre achou
risível o patriotismo. Isso de as pessoas brigarem por causa de piada e
cantarem o hino chorando é coisa recente. Então, corria na época uma versão
debochada da música de Dom e Ravel, que dizia assim:
“A
maconha no Brasil foi liberada, lalaiá-lá! Até o presidente já fumou,
lalaiá-lá! E eu vou continuar na minha, tomando bolinha com o governador!
Eu
te amo, meu Brasil, eu te amo! Meu coração é de Jesus e o meu pulmão da Souza
Cruz!”
É
uma gozação que agora parece bobinha, mas na época tratava-se de afronta
rascante àqueles militares de óculos escuros.
“A
maconha no Brasil foi liberada”, cantávamos nos anos 70, e isso causava
escândalo. Hoje, maconha e demais drogas são liberadas em todo o território
nacional. Duvido que haja país no mundo em que as drogas gozem de tamanha
liberdade. No Brasil, o comércio de drogas é um capitalismo selvagem e
irrestrito, sonho que nem os neoliberais mais radicais de Davos ousaram sonhar.
Qualquer
um compra a substância que quiser na hora em que quiser, mas terá de pagar o
preço que o traficante exigir. E assim o poder dos traficantes cresce e cresce
a criminalidade e quase 60 mil pessoas morrem assassinadas por ano nesse
paraíso de praias ensolaradas, lalaiá-lá.
O
Brasil só conseguirá restringir as drogas se as controlar. Ou seja: tornando-as
legais de direito, já que o são de fato. O Estado brasileiro deveria tomar a si
a produção e a venda das drogas, cadastrando os consumidores, definindo os
locais de uso, transformando as drogas em problema de saúde, não de polícia.
Mais ou menos como é feito com o cigarro, que, com inteligência, está sendo
banido da sociedade.
O
dinheiro das drogas deveria ser investido, exatamente, no combate às drogas, na
prevenção, na educação, em vez de ser investido na compra de armamentos para
bandidos. Chega de hipocrisia. Chega de crianças morrendo vitimadas por
tiroteios entre traficantes. Pela legalização das drogas. Antes que eles, os
traficantes e seu dinheiro sangrento, acabem segurando a juventude do Brasil.