04
de fevereiro de 2015 | N° 18063
PEDRO
GONZAGA
NO RODÍZIO
No
tempo do encontro às escuras, a humilhação pública (ao menos a minha) costumava
se dar em pizzarias baratas, em rodízios que propunham sabores já perdidos:
pizza de pipoca, de cachorro quente, a odiosa Popeye (de espinafre), pizza de
ovo, além das infinitas possibilidades da ervilha.
Meu
amigo Pedro Damásio certa vez me contou de um rodízio espartano em que havia
dois sabores. Com um canto de olho, flagrou o garçom, depois de oferecer um
último pedaço de margherita, girar sobre o próprio eixo e no volteio recolher o
tomate, enfiá-lo no bolso, para apresentar impávido: muçarela.
Em
lugares assim, sob a luz de cadavéricas fluorescentes, lutando contra os urros
das hordas, o sujeito (ocultando as espinhas com uns fiapos de barba rala),
tentava a sorte com uma garota que um amigo (agraciado pelo namoro) vinha lhe
apresentar. Tanto ela quanto eu já começávamos o encontro com a espada do
encalhamento sobre a cabeça. Tudo isso agravado por um elemento que não se faz
mais presente: não sabíamos que aparência a pessoa teria. (Aos leitores com
mais de 30, lanço o desafio de não terem fugido de um encontro marcado pelo
138.)
Permitam-me
certo romantismo, mas isso obrigava as pessoas a terem mais do que uma boa
aparência. Quando se escolhe um par apenas por foto, opta-se pela utilidade. E
como tudo aquilo que tem apenas utilidade, a mesma utilidade termina por se
tornar inútil. Antes, os encontros quase sempre davam errado, mas isso não
deixava de ser divertido. Hoje podem funcionar em cibernéticos matches, mas são
apenas chatos.
Ninguém
queria ser chato. Por isso alguns amigos se interessavam por astrologia, outros
por Caverna do Dragão, em busca de ter uma boa conversa. Eu acreditava na
literatura. Acreditava em ler os russos como diferencial. Andava com um volume
de Crime e Castigo. Ou com Bukowski, anos depois. Mudam-se os meios, mudam-se
as vontades.
Agora
me parece engraçado ter presumido que a literatura tivesse esse poder. De volta
àquele rodízio, no entanto, vendo-me desarmado porque ela não gostava de ler,
sinto genuína compaixão por aquele jovem que não empurrou o assunto sobre ela,
mesmo diante da derrota.