08
de fevereiro de 2015 | N° 18067
L.
F. VERISSIMO
Olha que coisa mais linda, mais
cheia de graça...
É
ela que passa, num doce balanço, a caminho do... (Epa, ela está voltando. Deve
ter visto algum conhecido dentro do bar). A caminho do mar. (Não, agora é a
caminho do bar. E na minha direção!) Moça do corpo dourado do sol de Ipanema, o
seu balançado é mais que um poema... (Ela está falando comigo!)
– Tá
cantando pra mim? – Não, não.
–
Como, “não”? Está sim. Aliás, toda vez que eu passo aqui você me chama de coisa
mais linda. Fala do meu corpo dourado, do não sei mais o quê. E que história é
essa de poema?
– É
pra rimar com Ipanema. – E todos os dias é a mesma coisa. Você não tem mais o
que fazer não? Fica o dia inteiro neste bar, cantando, e mal, pras mulheres que
passam? Não tem profissão? Não tem outra vida?
–
“As mulheres”, não. Você. – E por que nunca foi falar comigo? Me convidou prum
chopinho, sei lá. Eu não mordo, viu? A não ser em ocasiões especiais.
–
Não. Entende? Falar com você derrotaria todo o sentido da música, todo o clima,
que deve ser meio melancólico, meio depressivo. Conhecer você, saber o seu
nome, chamar você para um papo e um chopinho, acabaria com o encanto.
–
Meu nome é... – Não me diga! Não quero saber nada a seu respeito. É importante
que você não tenha nome, nem CPF, nem família, nem passado, nem futuro. E que
passe. Que não fique. Você é um símbolo do inatingível, do amor impossível, de
tudo que passa e não conseguimos ter, a não ser em sonho.
–
Quer dizer que o encanto depende da distância. Que de perto tudo se desmancha.
–
Mais ou menos isso.
–
Sabe que você não deixa de ser um homem atraente? Meio estragadão e péssimo
cantor, mas nós poderíamos ter uma relação. Ou uma relaçãozinha. Ou só uma
amizade. Pelo menos me convide para sentar.
–
Não, você não pode ficar. Você precisa passar. Quando você passa o mundo
inteiro se enche de graça – mas você precisa passar!
– E
se nascesse amor entre a gente? Um amor de verdade?
–
Pior. Amor de verdade desmancharia o amor de sonho, o amor idealizado com a
moça que passa, e que nunca saberei quem é.
–
Então tá. Deixa eu pegar minha praia. Tchau, hein?
–
Tchau. Amanhã, não deixe de passar.
Ah,
por que estou tão sozinho? Ah, por que tudo é tão triste?