08 DE JULHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS
ATREVIMENTOS SEM FREIOS
É conhecida a chamada teoria das janelas quebradas. Consiste na inferência de que se alguém joga uma pedra e quebra a vidraça de um prédio e o reparo é feito rapidamente, novos atos de vandalismo acabariam desencorajados. Mas se, ao contrário, houver desleixo, a tendência é de mais pessoas atirarem objetos, ampliando a destruição. A sensação de que há pouco cuidado e autoridade para inibir a depredação leva a mais partes do imóvel serem atacadas. Seria questão de tempo até outros locais da vizinhança também serem danificados.
Essa teoria, publicada no início dos anos 1980 por dois norte-americanos, um cientista político e um psicólogo criminologista, pode bem ser uma alegoria para se compreender o momento do país. A Constituição e as leis eleitorais e fiscais vêm sendo modificadas ou ignoradas sem qualquer pudor pelo Congresso, em associação velada ou escancarada com o Planalto. Não há constrangimento. Sobra desfaçatez.
O novo disparate é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para parlamentares ocuparem cargo de embaixador sem renunciar ao mandato. A ideia, apadrinhada pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), é apoiada pela base do governo. O Executivo formalmente diz se opor. Está claro: o objetivo é ampliar o número de cargos disponíveis para a barganha política. Trata-se de um risco para a política externa brasileira, respeitada pela tradição de ser operada de forma profissional por diplomatas de carreira consistentemente preparados para defender os interesses do país no Exterior.
De surpresa, a proposta foi preparada para votação na quarta-feira na CCJ, mas um pedido de vista adiou a análise. O bom senso exigiria que a iniciativa fosse enterrada. Mas sensatez é artigo em falta no Congresso quando está em exame matéria conveniente para os parlamentares. É de outra ordem, mas de mesmo sentido, a articulação para manter o centrão no controle do orçamento, seja quem for o vencedor da eleição presidencial.
O caso das embaixadas é apenas o mais recente episódio a ilustrar o descaso com o arcabouço legal. Se há vantagens à vista, inexiste qualquer comedimento em emendar a Carta, como se fosse algo banal. É o que se vê na chamada PEC dos Benefícios, que desrespeitou a Constituição, a legislação eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ontem, na Câmara, chegou-se ao acinte de realizar uma sessão relâmpago de um minuto para acelerar a tramitação do texto. Nada é obstáculo para a gana de obter vantagens eleitoreiras e ampliar o toma lá dá cá. A oposição, acovardada, grita, mas vota no sentido oposto ao discurso.
No fim de 2021, foi a PEC dos Precatórios, institucionalizando um calote para pretensamente ajudar a população mais carente. Na verdade, serviu para irrigar emendas do orçamento secreto. Tudo de afogadilho, com atropelo regimental e sem cálculos ou debates consistentes. Um desastre para a credibilidade do país, pela demolição dos pilares fiscais e da segurança jurídica.
Deveria preocupar a sociedade brasileira a aparente inexistência, neste momento, de força institucional suficiente para conter o ímpeto de depredação. Órgãos de controle agem de maneira tímida, e o Judiciário, desgastado com tantas batalhas que teve de travar, dá sinais de maior cautela, caso seja provocado a se posicionar. O sistema de freios e contrapesos, assim, resta enguiçado. O prédio institucional e democrático do país, erguido a duras penas nas últimas décadas, vai sendo vandalizado.
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