quinta-feira, 14 de julho de 2022


14 DE JULHO DE 2022
ZÉ VICTOR CASTIEL

Milhões e milhões

Milhões de seres humanos estão passando fome no Brasil. Retrocesso importantíssimo, principalmente depois de experimentarmos o gostinho (sem trocadilho) de chegar a patamares muitíssimo menores do que, tristemente, vemos hoje.

Milhões de seres humanos viram seu poder aquisitivo ruir paulatinamente, à medida que políticas sociais e uma terrível pandemia reduziram perspectivas e alternativas. Uma por vontade política; a outra pelo imponderável.

Milhões de negros veem sua dignidade esbulhada, na medida em que boa parte dos brasileiros brancos não consegue enfiar na cabeça que a igualdade de direitos, deveres e reconhecimento não se mede pela raça. Isso sem falar na violência diária a que são submetidos, seja com palavras de desabono, seja com violência escancarada. O Brasil branco e rico tem com os negros uma dívida que precisa ser paga.

Milhões de cidadãos e cidadãs, que pagam os mesmos preços em supermercados e as mesmas alíquotas para os enormes impostos, são ridicularizados por sua orientação sexual, como se isso interessasse a quem quer que seja. Amor é amor e é uma decisão individual, do ser humano, saber o que é melhor para si.

Milhões de mulheres são tomadas como "detentoras de direitos menores" pelo fato de serem mulheres. Fico imaginando se nós, homens, tivéssemos que trabalhar em jornada tripla, como seria a gritaria. Rio sozinho só em pensar no fiasco que seria um homem sentindo dores de parto, só para não falar em outras centenas de situações corriqueiras. Não sei em que momento, mas precisa ser urgente, o mundo vai se dar conta de que as agressões a mulheres são atos repugnantes. Nem quero falar no que vimos recentemente num hospital do Estado do Rio de Janeiro, porque aquilo foi o ato mais covarde de que tive conhecimento em toda a minha vida.

Milhões de brasileiros sucumbiram ao discurso do ódio e da intolerância e hoje estão absolutamente convictos de que podem agredir e até matar quem não pensa como eles. Do futebol à política, a tônica é a violência e o desaforo com quem não possui as mesmas ideias.

Milhões de pessoas estão armadas no Brasil e acham que com isso podem resolver a frustração de perceber que não ascenderam socialmente porque foram levadas para o lado da raiva.

Existe uma maneira de retomarmos os valores que tão bem retrata Jorge Ben Jor quando canta "Moro, num país tropical/ Abençoado por Deus/ E bonito por natureza", mas isso vai depender do discernimento e da consciência de cada um.

ZÉ VICTOR CASTIEL

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