quarta-feira, 20 de julho de 2022


20 DE JULHO DE 2022
JEFERSON TENÓRIO

A lógica da destruição

A casa onde morou o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu está sendo demolida. A demolição foi concedida pela prefeitura de Porto Alegre através de uma licença que autoriza a demolição total da casa, localizada no bairro Menino Deus. Segundo o jornal Sul 21, os proprietários do imóvel são um casal de dentistas. A licença emitida pela prefeitura é a comprovação flagrante do descaso e do desconhecimento da importância de patrimônios culturais como este.

O arquiteto Flávio Flores da Costa, responsável técnico pela demolição, declarou que desconhecia a história do imóvel. Ainda que o movimento chamado Salva a Casa de Caio Fernando Abreu, integrado por artistas e amigos, tentasse impedir a venda da casa, em 2010 ela acabou sendo leiloada. A memória do escritor conta também com a Associação Amigos de Caio Fernando Abreu, presidida por Liana Farias.

Caio Fernando é sem dúvida um dos maiores escritores do país. Escreveu inúmeros livros, entre romances, contos e peças de teatrais. Foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre e vencedor do Prêmio Jabuti. Com uma contribuição dessas e tudo que sua escrita pode nos oferecer em termos de literatura e humanidade, era de se esperar do poder público um reconhecimento dessa importância para os porto-alegrenses. Creio que, num país que leva a sério a memória, uma casa dessas já teria se tornado um museu ou um centro de cultura e educação.

Pensar em patrimônio cultural é, antes de tudo, pensar a cidade. E pensar a cidade vai muito além de asfalto, estradas e ruas. Mas pelo jeito nossa prefeitura ainda acredita que a cultura se resume à leitura de um atlas geográfico. Um patrimônio como a casa de Caio Fernando Abreu não serve apenas para assegurar o seu valor simbólico, que passa, obviamente, pela preservação, mas também fortalecer os laços de pertencimento à identidade dos gaúchos.

Historicamente, o patrimônio é um campo de batalhas de narrativas. Porque somos nós, no presente, que escolhemos que símbolos deixaremos para as futuras gerações. O patrimônio é o legado que se presentifica e se atualiza no tempo. São essas heranças que nos constituem como cidadãos. E é sempre preciso lembrar que desconhecer, ignorar ou destruir esses elementos simbólicos culturais é também uma prática fascista. Uma prática alinhada com contextos autoritários. Já vimos isso acontecer. Essa prática é a verdadeira arquitetura da destruição.

A demolição da casa de Caio Fernando Abreu é uma vergonha e mais um capítulo triste do desprezo pela arte, pela cultura e pela memória de uma cidade. Lamentável.

JEFERSON TENÓRIO

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