quarta-feira, 30 de novembro de 2022


30 DE NOVEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

Um verso de Camões

Cristiano Ronaldo, quando não faz gol, ainda faz gol. Ele ultrapassou 800 gols na carreira, de tudo o que é jeito: de trivela, de calcanhar, de letra, e até de bicicleta pelo Real Madrid em quartas de final da Liga dos Campeões contra o Juventus, uma das mais perfeitas pedaladas no ar da história da competição europeia, com o pé muito acima da cabeça do defensor.

Agora fez um gol que nem mesmo Pelé conseguiu: um gol de corta-luz. O capitão lusitano, cinco vezes melhor do mundo (2008, 2013, 2014, 2016 e 2017), único jogador a marcar em cinco Copas, não precisou tocar na bola para ela entrar contra o Uruguai.

Mas a bola só entrou porque ele se posicionou na frente do goleiro uruguaio Sergio Rochet e empreendeu o movimento de cabeçada que camuflou o quique da pelota lançada por Bruno Fernandes, seu sucessor no reinado português.

Já tinha visto tudo o que é gol, até de barriga de Renato no Fluminense, mas jamais um gol tão poético como o do Cristiano Ronaldo, um gol que é heterônimo de Fernando Pessoa, um gol que é verso de Camões, um gol que "é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer".

Um gol de espírito, um gol de sopro, um gol de alma. Um gol ausente feito de uma presença assustadora na pequena área, do medo do arqueiro diante da lenda em carne e osso.

Um gol de cortina. Um gol que não permite a zagueiro algum entender o que está acontecendo.

Cristiano Ronaldo diz ter roçado na bola, talvez tenha comprovado a eficácia do seu gel e de seu penteado imutável. O atrito sequer desalinhou os seus cabelos, e deu a impressão de que não houve o contato. Quem sabe?

Na súmula da Fifa, o crédito foi para Bruno Fernandes, mas não é verdade. Não só do visível vive o futebol. O gol é de Cristiano Ronaldo, um gol sobrenatural, derivado de sua astúcia, de seu posicionamento, de sua mímica.

Hoje sem time, mas imbatível com a camiseta vermelha e verde, campeão de uma heroica Eurocopa, merece ter a sua autoria legitimada.

Com esse gol inusitado, imprevisível, ele se iguala a Eusébio como maior artilheiro da seleção portuguesa em Copas do Mundo (o Pantera Negra tem nove gols no Mundial de 1966).

É mais um recorde na sua trajetória profissional de superação. Aos 15 anos, ele foi diagnosticado com um problema no coração, quando estava na categoria de base do Sporting, e aconselhado a abandonar as chuteiras. Atravessou uma cirurgia e voltou a treinar, porque diagnóstico não é destino.

CARPINEJAR

30 DE NOVEMBRO DE 2022
ARTIGOS

SUSTENTABILIDADE E INOVAÇÃO: VALORES UNIVERSAIS

Nos últimos tempos, emergiram narrativas, na forma de axiomas de veracidade, que acabaram se tornando aforismos dominantes que nos obrigam a propor que sejam ressignificadas, sobretudo pela sua relevância na sociedade e pela influência que exercem sobre os ativos da era em que vivemos.

De um lado, a sentença de que "a proteção ao meio ambiente atrapalha o desenvolvimento econômico e social", algo que já parecia há tempos superado. Mas mesmo que o exemplo possa parecer reducionista, não é, uma vez que se teve um ministro de Estado sugerindo, em meio à tragédia pandêmica, "que se deveria aproveitar o momento para passar a boiada". Em uma nítida referência às alterações nas legislações ambientais e nas políticas para o desenvolvimento sustentável, evidenciando um cinismo irresponsável.

É inacreditável que isso possa ainda ocorrer, mesmo quando países do mundo se reúnem na COP27, reconhecendo que mudanças climáticas impactam negativamente regiões e setores, e se não forem tomadas medidas para interditar tal situação, ela irá se tornar irremediável.

De outro lado, criou-se um certo fetiche de que "inovação é tema da indústria", revelando uma grande simplificação e um enorme reducionismo conceitual sobre o tema. Por mais que se seja defensor de uma política industrial para o país, teremos que ter critérios e coerência.

Uma visão moderna, atual e universal da questão tem que entender a inovação como fundamental para indústria, educação, saúde, agronegócio, agricultura familiar, meio ambiente, comércio, segurança, enfim, para sociedade. Percebendo-a como atuante nos espaços territoriais de forma abrangente e permanente, com ecossistemas sustentáveis e inovativos de criação e de trocas interrelacionais, capazes de dar rumo à sociedade.

Os tempos atuais exigem uma visão de desenvolvimento humano suportada por uma formulação que tenha por base a procedência sustentável e inovativa de tudo que nos rodeia, atuando de forma transversal e transformacional. À altura das exigências da era da sociedade do conhecimento, na qual o saber e o domínio dos ativos sustentáveis, intangíveis e inovativos são seus maiores valores, tendo como princípio e fim a perpetuação humana e o convívio fraterno e igualitário.

 Engenheiro e professor de gestão do conhecimento e da inovação na PUCRS - ADÃO VILLAVERDE


30 DE NOVEMBRO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

MAIS PREVENÇÃO CONTRA O FEMINICÍDIO

Os três novos casos registrados no fim de semana atestam que todas as medidas tomadas nos últimos anos não foram suficientes para um combate mais efetivo ao aumento dos feminicídios no Rio Grande do Sul. Na contramão da maior parte dos indicadores de delitos e de violência no Estado, é um crime que segue em alta. Mantida a atual tendência, será o segundo ano seguido de elevação na quantidade de assassinatos cometidos por questão de gênero.

De janeiro a outubro, ocorreram 89 feminicídios no Rio Grande do Sul, ante 82 casos no mesmo período do ano passado, mostram as estatísticas da Secretaria da Segurança Pública do Estado, citadas em reportagem de Letícia Mendes sobre os episódios do fim semana. A média é de duas mulheres mortas a cada semana.

É preciso registrar que Judiciário, Polícia Civil e Brigada Militar têm se esforçado em ações para conter os feminicídios. São exemplos destas iniciativas a ampliação do número das chamadas Salas das Margaridas, espaços adequados ao acolhimento de vítimas de violência onde há Delegacia da Mulher, a capacitação de policiais, as campanhas para incentivar denúncias, o fortalecimento das patrulhas Maria da Penha e as medidas protetivas concedidas pela Justiça, quando o agressor é proibido de se aproximar.

No início do ano, ao apresentar o balanço dos números da criminalidade do Estado em 2021, o então secretário de Segurança e à época vice-governador, Ranolfo Vieira Júnior, admitiu o embaraço com as dificuldades para frear os feminicídios e ressaltou que o Piratini estava criando um comitê interinstitucional para tentar encontrar soluções. É consenso que a prevenção, detendo o ciclo de violência no seu nascedouro, quando as agressões ainda são verbais e psicológicas, é a forma mais adequada para evitar desfechos fatais.

Um levantamento do Tribunal de Justiça mostrou que, em Porto Alegre, a maior parte das vítimas de feminicídio estava sem o anteparo de medidas protetivas no momento do crime e passou por episódios anteriores de violência e abusos. Conclui-se que, se estivessem sob guarida da lei, com a proteção fiscalizada pela Brigada Militar, muitas poderiam ter as vidas salvas. Duas das três mulheres mortas no fim de semana no Estado não contavam com essa salvaguarda.

Por ter uma natureza diferente de outros crimes, como os que envolvem quadrilhas ou facções, por exemplo, é preciso compreender melhor as causas para combater os feminicídios. O agressor, boa parte das vezes, é o companheiro da vítima ou alguém com quem ela se vinculou e que não aceitou o fim do relacionamento amoroso. Mas, em regra, há uma escalada da violência praticada.

Como se acredita que exista grande subnotificação, deve-se continuar o trabalho de conscientização para que a vítima, familiares, conhecidos ou vizinhos comuniquem os casos às autoridades e, em seguida, medidas protetivas possam ser concedidas, inibindo as aproximações e finais trágicos. A ampliação do uso de tornozeleiras em homens violentos, como pretende o Estado, pode ajudar a pôr um freio neste ato covarde. Amplificar e aperfeiçoar as medidas preventivas parece ser a melhor estratégia para fazer os feminicídios se somarem ao conjunto de indicadores de criminalidade em queda no Rio Grande do Sul.


30 DE NOVEMBRO DE 2022 
FINANÇAS ESTADUAIS DE 2023

Aprovado orçamento com rombo

Com a base aliada afinada, o governo do Estado precisou de apenas 48 minutos de sessão na Assembleia Legislativa para aprovar, ontem à tarde, o projeto que define o orçamento de 2023 do Rio Grande do Sul. O texto, que prevê rombo de R$ 3,8 bilhões nas contas públicas no próximo ano, passou com 43 votos favoráveis e nove contrários.

Na quinta-feira, o texto havia sido aprovado na Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle. O parecer do deputado Mateus Wesp (PSDB), líder do governo e relator da matéria, teve 10 votos favoráveis e dois contrários.

No plenário, o projeto contou com o apoio de deputados de PDT, PL, Novo e de partidos que integram ou integraram até meses atrás a base aliada do governo. Entre esses, apenas o PL manifestou contrariedade com um tópico do orçamento que diz respeito à utilização de recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

- A utilização de verbas do Fundeb para custeio da previdência é uma grave violação à Constituição e à Lei do Fundeb. A peça que iremos votar em plenário tem claro descumprimento daquilo que é previsto na Constituição - disse Rodrigo Lorenzoni (PL).

Crítica

Minutos depois, o tema ganhou eco na oposição. Sofia Cavedon (PT) reforçou a crítica ao orçamento, argumentando que o suposto uso indevido desses recursos poderia se configurar como "crime". Na avaliação dela, as promessas da campanha eleitoral não estão refletidas no orçamento de 2023:

- O governador reeleito (Eduardo Leite) fez promessas que não constam no orçamento em votação. Posso dar exemplo na área da educação. Os valores para escola de tempo integral diminuem de R$ 6,5 milhões para R$ 1,7 milhão.

Mateus Wesp, então, argumentou que esses tópicos já haviam sido debatidos na tramitação do projeto na Casa:

- Todas manifestações que foram feitas pelos deputados da oposição já foram respondidas na Comissão de Finanças.

O orçamento é o documento que estima o ingresso de dinheiro e define como serão feitas as despesas no Estado no ano seguinte. O projeto estipula não apenas as prioridades de investimento no governo, mas a distribuição do bolo de recursos com os demais poderes e órgãos estaduais.

Inicialmente desenhado para ser um orçamento com equilíbrio financeiro, o projeto passou por recálculo por causa das reduções do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) definidas pelo Congresso Nacional.

- A disciplina fiscal tornou o Estado resiliente a eventos adversos como secas, pandemias e a súbita redução do ICMS (aprovada no Congresso a pedido do governo Jair Bolsonaro a poucos meses da eleição), responsável pelo déficit previsto na peça orçamentária - destacou Wesp.

Na época da aprovação da lei, Estados alegaram que teriam prejuízos bilionários com a medida. Alguns conseguiram liminares contra a lei sancionada para provocar a queda do preço dos combustíveis. A União prometeu que haverá indenização, mas alguns governadores avaliam que as regras não são claras e o impasse sobre o tema ainda segue.

A Assembleia entrará em recesso em 23 de dezembro. Entre projetos que serão votados até lá, está o reajuste do salário mínimo estadual.

 GABRIEL JACOBSEN


30 DE NOVEMBRO DE 2022
POLÍTICA +

A nova Lotofácil dos juízes brasileiros

Prepare o bolso e o coração para pagar uma conta que não é sua: o Conselho da Justiça Federal se antecipou à votação da proposta que restabelece o adicional de tempo de serviço para os magistrados e aprovou uma espécie de Lotofácil para os juízes federais. Trata-se de quinquênios de 5%, retroativos aos últimos 16 anos e corrigidos pela inflação.

Não há cálculos exatos do custo aos cofres públicos, mas a estimativa é de que cada magistrado que entrou na carreira antes de 2006 receberá algo como R$ 2 milhões. É mais ou menos o que paga a Lotofácil para o mortal que acerta sozinho um concurso que não está acumulado.

O efeito cascata produzirá um rombo nas contas públicas, mas quem se importa?

O mercado, tão atento quando se trata de auxílio para famílias de baixa renda, não tugiu nem mugiu nestes 15 dias. A volta do benefício foi aprovada em 16 de novembro, quando as atenções estavam voltadas à transição e à Copa.

Quem acredita em Papai Noel pode achar que a conta nem é tão pesada assim porque, afinal, juízes federais que ingressaram na carreira até 2006 não são muitos. Doce ilusão. O que se vê na prática é que esse tipo de benesse começa pela Justiça Federal e se estende a todas as instâncias do Judiciário, porque a magistratura é única.

Não levará tempo para que pleito semelhante seja apreciado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão criado em 2004 para fazer o controle externo do Judiciário mas que transformou-se, na prática, em um sindicato que aprova benefícios sem perguntar se o patrão (o povo, no caso) tem condições de pagar a conta. Volta e meia, aprova um benefício por resolução, e os tribunais estaduais tratam de estender a vantagem aos seus.

Aqui é preciso retroceder no tempo para lembrar como e por que foi extinto o adicional de tempo de serviço a cada cinco anos. O fim dos penduricalhos era o principal argumento das associações de magistrados para a adoção do sistema de subsídio na remuneração.

Dizia-se, sem corar, que isso daria transparência ao gasto público, porque o cidadão que paga a conta teria uma tabela decrescente, a partir do subsídio de ministro do Supremo Tribunal Federal, para saber quanto ganha um juiz. Desembargadores, por exemplo, ganhariam 90,25% do subsídio de ministro do Supremo.

Poucos anos depois, começaram as tentativas para retomar o adicional de tempo de serviço com o argumento de que a carreira se tornara desinteressante. Justificativa inconsistente, dado que todos os concursos públicos têm intensa disputa pelas vagas e poucos são os magistrados que abandonam a carreira para militar na advocacia privada.

ROSANE DE OLIVEIRA

terça-feira, 29 de novembro de 2022


29 DE NOVEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

O volante faz-tudo

Não tinha como ser gol de atacante. O gol redentor contra a Suíça fechada, recuada, aferrolhada só poderia vir de trás, de alguém improvável, aparecendo de repente, sem marcação. Quem chamou a responsabilidade para si foi Casemiro, o volante faz-tudo, o carregador de piano, que conferiu um efeito hipnótico à bola. O goleiro suíço Yann Sommer abriu a bocarra de espanto e não saiu da sua imobilidade de samambaia.

Uma recompensa à "sombra" da seleção, ao alicerce, a quem limpa as sujeiras e os erros do sistema, corrige as falhas dos seus colegas, recoloca o time na marcha certa. Se Zinho em 1994 era a enceradeira do tetra, Casemiro é o robô-aspirador rumo ao hexa.

O Brasil não tem dependência de Neymar, não tem dependência de Richarlison, não tem dependência de Vini Júnior, mas depende essencialmente de Casemiro: é o eixo mais importante do esquema tático de Tite, o Cristo Redentor da zaga, o São Jorge do meio de campo, o elo de ligação do quebra-cabeça, o encaixe do Lego canarinho.

Guardo a convicção de que não teríamos perdido para a Bélgica, tombando nas quartas de final na Copa da Rússia em 2018, se Casemiro não tivesse sido suspenso. Sabe aquele jogador que você não nota na vitória, mas de que sente falta na derrota? Casemiro cumpre um papel imprescindível de liderança técnica. Sem ele, há um rombo, um vazio, uma lacuna irreparável. Thiago Silva é o capitão honorário, Casemiro é o poder agregador na prática.

Ele não realiza unicamente a cobertura, mas oferece a prevenção. É o nosso SUS, nosso sistema de proteção, nossa saúde emocional. Tanto que é estimulado por desafios. Deixou o conforto do Real Madrid, onde ganhou tudo o que sonhava (cinco Ligas dos Campeões e três Mundiais), para reiniciar a carreira no Manchester United e se aventurar na Premier League aos 30 anos.

Pode-se dizer que a Seleção Brasileira não tem encantado, como a da França ou a da Espanha, mas não dá para desmerecer que ela sobrou nos primeiros confrontos e tem ainda muito a oferecer. Vem sendo competente com inquestionável segurança. Jamais havia vencido Suíça numa Copa - obteve um empate de 2 a 2 na Copa de 1950, e de 1 a 1 em 2018. Portanto, acaba de quebrar um tabu.

E Suíça não é mole, seria dureza para qualquer favorito. Já derrubou o plantel campeão francês numa Eurocopa. Costuma armar uma ratoeira por um lance. Os pessimistas estão mais otimistas, os otimistas ainda mais ufanistas. Só precisamos nos acostumar a comemorar o gol depois do VAR. Para não morrermos de ataque cardíaco por um impedimento.

CARPINEJAR

OBRAS PRIORITÁRIAS

A alternância no poder é prosaica nas democracias. Assim, é obrigação de todo novo governo priorizar obras paradas e atrasadas. Abandoná-las significa desperdício das escassas verbas públicas empregadas nestes empreendimentos e um desrespeito à sociedade da qual são extraídos esses recursos na forma de carga tributária. É salutar, portanto, que a futura gestão no governo federal privilegie o que está em andamento, na busca por finalizá-lo e fazer com que seus benefícios prometidos possam ser usufruídos pelos cidadãos.

A equipe de transição do futuro governo Lula planeja uma nova versão, mesmo que bem mais modesta, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e no Rio Grande do Sul a precedência seria por entregar as duplicações das BRs 116, entre Guaíba e Pelotas, mais próxima do final, e da 290, entre Eldorado do Sul e Caçapava do Sul, em fase bem incipiente.

Diante das dificuldades orçamentárias, o ideal seria prioridade total para entregar a obra na BR-116. Trata-se, afinal, de uma construção iniciada há 10 anos. Deveria estar pronta em 2014, mas se arrasta até hoje pela carência de recursos e outros entraves. Como falta cerca de um terço do percurso para ser duplicado, a lógica indica que deveria ter a primazia na destinação de verbas. É preciso lembrar que a mais recente previsão indica conclusão em 2026. O adequado seria acelerar este cronograma.

A equipe de transição condiciona a ambição do novo PAC ao espaço fiscal a ser obtido na chamada PEC da Transição, explica reportagem de Fábio Schaffner publicada ontem em Zero Hora. Seja qual for essa folga para investimentos, uma grande incógnita até agora, o racional é concentrar os recursos em poucos projetos, que tenham a certeza de início e fim. As demandas, por certo, são muitas e em todo o país. Uma pulverização, ao contrário, amplia o risco de tornar ainda maior o cemitério de obras paradas ou que andam a passos de quelônios, como foi observado, por exemplo, sob o guarda-chuva do PAC, nos anos finais da última gestão do PT no Planalto.

Foi noticiado, na semana passada, que o núcleo de infraestrutura da transição pretende rediscutir os planos de concessões de rodovias federais no Rio Grande do Sul. Um dos projetos em análise seria exatamente o da BR-290. Não há nenhum problema na reavaliação em si, mas é preciso trabalhar em bases realistas se existir a intenção de tocar essa duplicação com recursos públicos. Não é possível esquecer que a ordem de serviço para o trecho em questão foi assinada em 2014, e desde então quase nada andou de fato por falta de dinheiro. Outro exemplo mais recente é a nova ponte sobre o Guaíba, que não conta com todas as alças de acesso prontas por escassez de verbas federais.

A infraestrutura deficiente é um dos gargalos da competitividade do país e do Estado. É preciso qualificá-la, o que também faz a economia girar. Mas deve-se ter cuidado com o voluntarismo. Mesmo os valores destinados à conservação das rodovias federais vêm caindo nos últimos anos. Pouco adianta se aventurar em novos projetos, mesmo que necessários, se a malha existente se deteriorar ainda mais. O cobertor orçamentário é e continuará curto. 

É inescapável encarar essa realidade. O sensato, portanto, é executar obras públicas com projetos consistentes e bom planejamento, evitando desperdícios e atrasos, e continuar a ter nas concessões outra frente relevante para melhorar a logística, em todos os modais. O novo governo federal deve considerar a iniciativa privada - detentora dos recursos indispensáveis para realizar os investimentos de que o Brasil precisa para ter uma infraestrutura à altura dos desafios do país - parceira nessa empreitada. 


29 DE NOVEMBRO DE 2022
SUSTENTABILIDADE E ECONOMIA

Capacidade de energia solar sobe 52,3% neste ano no RS

Estado atingiu, em novembro, 1,6 gigawatt de potência instalada e se mantém na terceira posição no ranking nacional

O Rio Grande do Sul atingiu a marca de 1,6 gigawatt (GW) - ou 1.606,2 megawatts (MW) - de potência instalada em geração de energia solar. O avanço de 52,3% na comparação com o 1,05 GW de 2021 foi fruto de investimentos que somaram R$ 3,7 bilhões até novembro de 2022, conforme dados da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), que também identifica aumento da demanda nas últimas semanas, ainda não contabilizado no balanço.

Terceiro no ranking nacional de uso de energia fotovoltaica, o Estado responde por 10,9% da geração no país. À frente estão Minas Gerais (2,1 GW) e São Paulo (1,8 GW). Com 234.295 unidades consumidoras recebendo créditos - alta de 70% na comparação com as 137.717 de 2021 -, em onze meses passaram a operar 96.578 novas instalações em residências, comércios, indústrias, propriedades rurais e prédios públicos do RS. São consumidores que já contam com redução na conta de luz em razão da instalação dos painéis solares.

Coordenadora estadual da Absolar no RS, Mara Schwengber destaca que o crescimento é essencial para a diversificação da matriz energética nacional e traz desenvolvimento social, ambiental e econômico, o que também reduz a pressão sobre os recursos hídricos no país.

Números

Ela informa que, desde 2012, a geração própria de energia solar já proporcionou ao RS a atração de mais de R$ 8,8 bilhões em investimentos, criação de 48,1 mil empregos e a arrecadação de R$ 2,6 bilhões aos cofres públicos.

Mara cita um estudo, intitulado Contribuições da geração própria de energia solar na redução da conta de luz de todos os brasileiros, que traça cenários futuros com as projeções de redução das tarifas de energia elétrica para todos os consumidores, a partir da inserção dos sistemas solares distribuídos.

Barateamento

Em relação ao custo da energia elétrica no país, rateado e pago por todos os usuários, o crescimento da geração solar distribuída representará uma redução de R$ 34 bilhões nos valores repassados aos consumidores. Isso proporcionará queda de 2,2% nas tarifas de energia elétrica na próxima década.

- Atualmente, o RS é um importante centro de desenvolvimento da energia solar. A tecnologia fotovoltaica representa enorme potencial de geração de emprego e renda, atração de investimentos privados e colaboração no combate às mudanças climáticas - comenta.

De acordo com a dirigente, está em curso uma mudança do perfil dos investidores no setor. Mesmo que as residências continuem no topo da participação em potência instalada no RS (47,2%), seguidas pelos comércios (25,5%), as instalações em propriedades rurais despontam na terceira colocação em representatividade (18,2%) e respondem pela demanda mais aquecida, revela Mara.

- Chama muito a atenção o avanço no rural, e a participação do agro por aqui já é maior do que a média nacional, o que indica que os produtores querem melhores custos para sua energia - diz.

 RAFAEL VIGNA


29 DE NOVEMBRO DE 2022
NÍLSON SOUZA

O internetês e os risos

Minha pátria é minha língua, escreveu um dos maiores da nossa, o incomparável Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego, cautelosamente escondido sob um de seus heterônimos, talvez precavendo-se dos patrulheiros da internet que surgiriam um século e meio depois. Pois a última flor do Lácio, inculta e bela, eternizada pelo poema culto e belo de Bilac, virou um emaranhado de abreviações e símbolos gráficos no admirável mundo novo das redes sociais.

- Kdvc? - me intimou outro dia uma jovem amiga por mensagem, supondo que eu decifraria de imediato o seu Código Morse digital.

Propositadamente, respondi com outros pontos de interrogação, para trazê-la de volta à realidade da língua minimamente culta:

- Onde você está? - repetiu ela, com impaciência perceptível nas entrelinhas por ter sido forçada a digitar três palavras completas e com sentido claro.

A ansiedade é a mãe das abreviações. Na pressa de teclar (tc, na antiga linguagem dos tempos do Orkut, vejam só), adolescentes, jovens e nem tão jovens assim, pois os tiozões do zap já se apropriaram da linguagem digital, tudo é permitido. Outro dia recebi um "conserteza", como se a certeza da compreensão justificasse a aberração ortográfica. Sei que vou passar por rabugento, mas me recuso a rir em internetês. Nunca me senti confortável para codificar meus risos e meus sorrisos, mas fiquei ainda mais refratário quando li que as expressões usadas para representar gargalhadas são reveladoras da personalidade do autor.

Segundo o referido texto, quem digita a onomatopeia "kkkkk" tem boas chances de ser um tanto infantil ou alguém com certa rodagem querendo se passar por jovem. Já os adeptos do "hahaha", que seriam a maioria, estão mais próximos da normalidade, pois a sonoridade da expressão assemelha-se às gargalhadas da vida real. O esquisito "rsrs" seria revelador de timidez do interlocutor e o escandaloso "ashauhsashuasha" expressaria mais descompostura por parte do digitador do que propriamente seu bom humor.

Não utilizo, mas recebo com prazer todas as manifestações de alegria e diversão de meus interlocutores digitais, venham elas abreviadas ou por extenso. Na esperança de que a tormenta de ódios e imprecações esteja chegando ao fim, torço para que dezembro chegue logo e os brasileiros voltem a trocar mensagens de compreensão e tolerância com seus parentes e amigos, talvez até recorrendo àquela antiga expressão de riso que sempre comove e aproxima:

- Ho, ho, ho!

NÍLSON SOUZA

segunda-feira, 28 de novembro de 2022


28 DE NOVEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

Comida chorando

A verdade dói em mim, mas a mentira machuca o outro.

Ainda prefiro a verdade.

É triste viver se justificando e não assumir o que aconteceu.

- Não é que eu tropecei, estava chutando uma pedra.

- Não é que eu roubei, peguei emprestado.

- Não é que eu me esqueci da data, preparava uma surpresa.

- Não é que eu menti, estava brincando.

- Não é que eu recebi um fora, forcei o término.

- Não é que eu colei, estava procurando ver as horas.

- Não é que fui grosseiro, era uma piada. - Não é que sou teimoso, não posso ceder com facilidade.

O faz de conta logo desliza para a irresponsabilidade afetiva. Quem dá desculpas não amadurece. A culpa não é boa conselheira, sempre busca fraudar o cotidiano e adulterar os fatos.

Existirá um adiamento da experiência, jamais transformando adversidades em lições. Todos percebem quando exageramos, recusamos as evidências, fugimos da realidade, ignoramos os nossos erros e falhas.

Talvez um dos melhores aprendizados de honestidade em minha vida tenha vindo da infância: fazer somente o que eu poderia cumprir. Meus irmãos e eu tínhamos que limpar o prato. Não poderíamos sair da mesa sem limpar o prato. Permanecíamos lá toda a tarde, toda a noite se fosse o caso.

Não adiantava esconder o gibi debaixo da mesa. Distrações não eram permitidas. Você precisava se servir somente com o que realmente comeria. Qualquer colher a mais seria cobrada. Não poderia ter o olho maior do que a boca, ou se sentir melhor do que a refeição, esnobando o valor de cada alimento.

A gula ou a ambição correspondiam a pecados mortais. O almoço e o jantar começavam com a oração, e só terminavam com a gratidão. Em casa, era assim: nunca desperdiçar comida. Ficávamos na mesa o tempo que fosse até não sobrar nada, nenhum molho, nenhuma mancha na louça.

Nem existia micro-ondas na época. Ou engolíamos o alimento frio junto do orgulho, ou não recebíamos permissão para nos levantar.

Os pais dispensavam pirotecnias de persuasão, como o uso do recurso do "olha o aviãozinho!". Mordomia de aeroporto? Nem pensar. A pressão surgia do castigo mesmo, da rodoviária do silêncio, da espera angustiada pelo retorno do apetite.

O máximo de apoio oferecido partia da mãe, quando nos via enrolando, ganhando tempo, espalhando as porções para as bordas. Alegava que a comida iria chorar com o nosso desprezo.

O feijão choraria, a cenoura choraria, a couve choraria, o bife choraria. Na primeira vez que fui a um bufê a quilo, levei um susto. Não sabia como reagir diante de tamanha oferta. Para mim, era um velório. Toda aquela montanha de comida chorando.

CARPINEJAR


28 DE NOVEMBRO DE 2022
CÍNTIA MOSCOVICH

Bituca: um deus entre nós

No estádio do Mineirão, em plena região da Pampulha, no dia 13 de novembro passado, quando deram as sete horas da noite, primeiro vieram as batidas, sincopadas e fundas, de Tambores de Minas, instrumental que funcionou como um aviso de que o show iria começar. E logo o show começou: no palco e nos dois telões gêmeos que o ladeavam, a figura de Milton Nascimento a bordo de sua sanfona se impôs debaixo de uma iluminação feérica - calvo, miúdo, doente, a voz ainda poderosa entoando Ponta de Areia foi um milagre que varou o estádio e as 60 mil pessoas que foram se despedir.

Trajando uma túnica laranja na qual pássaros e palavras bordados voavam, uma delicadeza concebida por Ronaldo Fraga e que fazia referência direta ao Manto da Apresentação, de Arthur Bispo do Rosário, Bituca tentava controlar a voz que, sem medo ao clichê, se compararia, em anos passados, ao mais límpido cristal, mas que, no momento, se turvava, falhava, errava, equívocos nos quais pesava a emoção, a idade e a saúde precária. A figura de Milton, no entanto, se impunha como uma espécie de deus, mas um deus humilde e comovente, todo contido, ali sentadinho em sua cadeira no meio do palco, e juntos cantamos da Bahia-Minas, estrada natural - o Mineirão caiu de joelhos em reverência.

Homenageando Gal Costa, que morrera alguns dias antes, o show de despedida de Milton, que ganhou o título de A Última Sessão de Música, foi marcado, como em toda a sua carreira, pela competência extrema. Com a presença de luxo do pessoal do Clube da Esquina - Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta e Wagner Tiso -, mais Samuel Rosa e o vocalista Zé Ibarra (que dava cobertura a Milton nos momentos em que o alcance da voz não correspondia), o espetáculo foi uma reunião histórica de talentos, junção abençoada quando Milton, ao evocar Elis Regina, disse que ela havia sido o grande amor de sua vida.

Milton foi no show final o que foi a vida inteira: elegante, comedido, silencioso, olhos atentos e sorriso apenas riscado no lindo rosto de duas covinhas a que nos acostumamos em 60 anos de carreira. Escolheu o momento em que iria se retirar dos palcos e deles saiu em glória, digno, aclamado e amado - tendo que pedir várias vezes que a plateia contivesse seus ímpetos para que pudesse completar sua apresentação. No meio de uma das dezenas de ovações, nas quais o público, em êxtase de revelação, repetia seu nome, ele correspondeu: "Eu também amo vocês".

Maior, grande, superlativo. Um deus cantou entre nós.

CÍNTIA MOSCOVICH

28 DE NOVEMBRO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

O BRASIL FAZ PARTE DA SOLUÇÃO

O Brasil tem uma oportunidade histórica e única à frente. O país reúne todas as condições para ser um dos líderes no novo ciclo de desenvolvimento mundial voltado à descarbonização, uma direção inevitável se a comunidade internacional de fato se dedicar a colocar em prática medidas de larga escala para mitigar o aquecimento global. As diversas formas de tirar proveito dessa nova tendência, pela ótica da preservação aliada ao progresso, foram apresentadas na reportagem "Economia combina com meio ambiente", assinada por Marcel Hartmann e Vinicius Coimbra, publicada no caderno DOC da superedição de Zero Hora.

Em síntese, o mundo tem os olhos voltados para o Brasil. Tanto pela necessidade de conservação dos biomas, como a Amazônia, quanto pela multiplicidade de negócios que surgem e seguirão surgindo e amadurecendo nos próximos anos e décadas. Apenas na área da energia, o Brasil tem potencial inigualável na geração solar, eólica e biomassa. O crescimento já é vertiginoso.

A agricultura e a pecuária, associadas ao plantio de florestas, elevam a sustentabilidade financeira das propriedades e as perenizam, enquanto valorizam os seus produtos, especialmente alimentos. No Rio Grande do Sul, a criação de gado no Pampa é um exemplo de manutenção da fauna e flora originais convivendo em harmonia com atividade que visa ao lucro. O pagamento por serviços ambientais, mais cedo ou mais tarde, se expandirá e se consolidará. O mercado de créditos de carbono também. A imensa biodiversidade brasileira é repleta de oportunidades na bioeconomia, como a pesquisa e a descoberta de novos medicamentos.

Existem, ao mesmo tempo, investidores ávidos ao redor do mundo com capital disponível para trazer ao Brasil e aplicar em negócios sustentáveis. É preciso enterrar de vez, portanto, qualquer ranço de que a preservação é uma barreira aos ganhos financeiros. Pelo contrário. O capitalismo mundial mostra cada vez mais interesse em também ser parceiro nessa empreitada de conciliação entre natureza e geração de riqueza. É um novo ciclo de prosperidade que se descortina, capaz de fazer a economia crescer, criar empregos e renda e, de quebra, manter saudáveis os maiores bens naturais do país, como as florestas, os rios e os campos.

O novo governo federal promete tornar o Brasil outra vez protagonista nas discussões climáticas, sobre o meio ambiente e relacionadas à economia verde. Para isso, tem compromissos relevantes de redução de emissões de gases de efeito estufa e fim do desmatamento ilegal. É preciso que os objetivos sejam cumpridos para o país recuperar a credibilidade internacional e, assim, atrair mais recursos. 

Os incentivos financeiros das nações ricas e mais poluidoras, que devem liderar esse esforço, cedo ou tarde chegarão. Trata-se, afinal, de uma questão que afeta as condições em que a população vai viver no planeta no futuro. Sem uma ação contundente, a Terra continuará febril, os eventos climáticos severos serão cada vez mais recorrentes e, mostram os alertas dos pesquisadores, os riscos de pandemias crescem. O Brasil, por sorte, faz parte da solução para tornar estas ameaças mais distantes.


28 DE NOVEMBRO DE 2022
ENSINO PRIVADO

Prêmio Inovação Sinepe/RS destaca projetos de 10 escolas

O Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) premiou instituições de ensino vencedoras do Prêmio Inovação. A cerimônia ocorreu no Teatro do Prédio 40 da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), em Porto Alegre, na noite de sexta-feira. A premiação, criada em 2002, foi retomada em 2022, depois de dois anos suspensos em função da pandemia de covid-19.

Foram premiados 12 projetos de 10 escolas particulares de Porto Alegre, Pelotas, Veranópolis, Novo Hamburgo, Caxias do Sul e Santa Maria (confira abaixo a lista com os vencedores). As instituições de ensino inscreveram projetos nas categorias Comunicação e Marketing, Gestão Institucional, Estudante Protagonista e Responsabilidade Social. Ao todo, 85 trabalhos de 44 instituições de ensino concorreram à premiação, que foi patrocinada pela Editora do Brasil e pela isaac (isaac.com.br), uma plataforma de serviços financeiros feita para escolas.

Conforme o presidente do Sinepe/RS, Oswaldo Dalpiaz, o envolvimento dos alunos na preparação e apresentação dos projetos impactam a aprendizagem e o desenvolvimento de competências e habilidades importantes para a formação do estudante.

- A partir da edição deste ano, passamos a valorizar as iniciativas que envolvem a inovação no ambiente escolar, incentivando, assim, novos modelos de ensino- aprendizagem mais atraentes e significativos. Tivemos projetos que focaram no uso da tecnologia, utilizaram jogos para a aprendizagem, e outros incentivaram a iniciação científica ligados ao cotidiano dos alunos, o que faz com que a aprendizagem tenha muito mais sentido e motivação - explica.

Protagonismo

Segundo Dalpiaz, se o ensino do Rio Grande do Sul e do Brasil fosse mais compartilhado, com a divulgação de boas práticas como o prêmio do Sinepe/RS, a educação poderia ser mais qualificada:

- As escolas não podem deixar de compartilhar o que têm de bom, é o melhor ato de caridade que podem ter enquanto escola. Sabemos que existem muitíssimas experiências em instituições de ensino, porém, como não são compartilhadas, não ajudam a mostrar o quanto o protagonismo e a iniciativa dos alunos são importantes para a sua aprendizagem e a melhoria da educação.

As instituições que ficaram entre quarto e sexto lugar em cada categoria também foram homenageadas na noite da premiação com o título de Menção Honrosa. Além do prêmio, o evento também homenageou instituições do Rio Grande do Sul que completaram 50, 75, 100, 125 e 150 anos nos últimos três anos.

VINICIUS COIMBRA


28 DE NOVEMBRO DE 2022
INFORME ESPECIAL

Rumo a Barcelona

Olha só que iniciativa legal: a prefeitura de Passo Fundo selecionou cinco alunos e uma escola de destaque da rede municipal para um intercâmbio cultural em Barcelona, em maio de 2023. A capital da Catalunha é o berço da Associação Internacional das Cidades Educadoras, que reúne mais de 500 integrantes, incluindo o município do norte do Rio Grande do Sul.

Todas as turmas do sétimo ano do Ensino Fundamental participaram do processo. A primeira fase avaliou os melhores desempenhos em matemática, linguagens, ciências humanas e ciências da natureza.

Depois, os finalistas participaram de uma maratona no Festival de Ciência, Inovação e Tecnologia, com a definição dos vencedores na última sexta-feira. São eles: Mateus Felipe Bellini da Luz, Luane Freitas Ruas, Sabrina Schmitz dos Santos e Mei Lyn Chaves Choy.

A missão terá ainda a participação de um grupo da Escola Municipal Professora Helena Salton, incluindo a jovem Esthefani Biasolini Simões, que também se destacou na avaliação. O colégio teve a maior nota na disputa geral, um orgulho na região.

- É a primeira vez que os alunos da rede municipal têm a chance de sair do território. Passo Fundo é uma Cidade Educadora e entendemos que isso transcende as paredes das escolas - destaca o prefeito Pedro Almeida.

Cada vencedor vai viajar com um responsável e um professor.

A ideia é ótima, estimula a comunidade escolar e merece ser replicada. Aqui no Estado, há pelo menos mais 10 prefeituras inscritas na associação criada na Espanha em 1994, entre elas a nossa Porto Alegre.

JULIANA BUBLITZ

sábado, 26 de novembro de 2022


26 DE NOVEMBRO DE 2022
LEANDRO KARNAL

Os celulares multiplicaram a chance de golpes. São de todo tipo: falsas pirâmides, ofertas de criptomoedas, oferecimento de serviços, falsos sequestros de familiares e assim por diante. Nossos sentimentos são sempre os mesmos: quando analisamos o golpe em setores que nunca nos enganariam, ficamos desolados com a ingenuidade alheia; quando se trata de algo que já fizemos ou que chega ao nosso universo de valores, somos compreensivos. Nossa empatia é narcísica, em geral.

Critiquei meu pai que quase caiu, lá por 2008, em um golpe de falso sequestro meu. "Como, pai, você, advogado, acostumado a analisar estelionatos, pode ter acreditado em uma história tão estapafúrdia?"

Ele argumentou comigo que o risco a um filho cegava quaisquer prudências e acionava um modo automático de defesa. O suposto grito de um filho apagava o título de advogado, e o risco à minha integridade o fragilizava. Aceitei que assim fosse. O amor tem razões alheias à razão em si, advertia Pascal.

Pensando nas chances de golpes, acho importante que todos tenhamos presentes as zonas desprotegidas da mente. Risco aos filhos? Inquietudes financeiras? Histórias obscuras do passado? Carências de todo tipo? Sabendo onde estão nossos fios desencapados, fica mais fácil identificar risco de choque grave. Como posso agir então?

Devo programar meu cérebro a partir do risco. A voz gritando da minha filha me desestabiliza? Vou treinar e insistir muitas vezes que, em caso de ter o alarme acionado por uma ligação repentina, tomarei duas atitudes: ligarei para ela e para uma terceira pessoa (de preferência sem o mesmo envolvimento emocional) e seguirei a crise com a orientação alheia. Devo repetir, treinar, repetir e formar meu cérebro a essa reação.

Reitero comigo todos os dias: "Se minha filha estiver em risco, envolverei meu cunhado e ligarei para ela". Treinar a reação não impede a cegueira das prudências, mas cria um botão emergencial. Ao vivo e em segredo, a família pode treinar uma palavra-passe de emergência. O nome da avó em comum, por exemplo, ou o nome de um animal de estimação conhecido de todos. A palavra-passe não deve estar no celular, pois ele pode ser clonado.

Uma pessoa com muito desejo sexual e carente pode ser enganada por um sedutor ou uma sedutora, nas redes. Alguém com ambição enorme pode ser atraído para um negócio imperdível. Todos possuímos fragilidades. Não devemos julgar as alheias, apenas aprender sobre o que nos tira do sério.

O golpe está aí: cairemos todos. Os que se prepararem internamente possuirão maior esperança de evitar trambiqueiros.

LEANDRO KARNAL

26 DE NOVEMBRO DE 2022
ELIANE MARQUES

A ESTRANHA FAMILIAR

Quando se torna professora (1847), Maria Firmina dos Reis se recusa a desfilar nas costas de escravizados sobre um palanque em São Luís, no Maranhão. A professora argumenta que eles não eram bichos para carregarem pessoas neles montadas. A posição social alcançada com o magistério contribui para que ela publique seu primeiro livro, Úrsula (1859). Logo se seguiram o romance Gupeva (1861), o poemário Cantos à Beira-mar (1871) e o conto A Escrava (1887). 

Aposentada do ensino público (1881), Maria Firmina funda a primeira escola mista (gratuita) do Brasil, o que escandaliza os círculos locais em Maçaricó. Depois de dois anos e meio de aulas para filhos e filhas de lavradores e de fazendeiros do povoado, impôs-se a ela o fechamento da escola. Diliquinha, seu apelido familiar, escreve para vários jornais, tais como A Verdadeira Marmota, Semanário Maranhense, O Domingo, O País, Federalista e O Jardim dos Maranhenses. No campo da música, ela se destaca com as composições Hino da Libertação dos Escravos e Hino à Mocidade.

Nascida em 11 de outubro de 1825, na ilha de São Luís, filha de mãe considerada branca e de pai Negro, ainda criança Maria Firmina se transfere, com a família, para a Vila de São José de Guimarães. Mas parte de sua vida ela passa na casa de uma tia materna, de melhores condições econômico-raciais, quando então entra em contato com outras referências culturais e com parentes seus ligados à literatura, como Sotero dos Reis.

A trajetória de Maria Firmina dos Reis se assemelha à de muitas mulheres amefricanas contemporâneas, especialmente marcadas pelo abandono do local de nascimento e pela fixação do domicílio em outro, com o objetivo de conquistar melhores condições de vida. Nem sempre amistosos, diálogos com homens e mulheres estranhos ao círculo familiar e racial advertem a escritora de que quase tudo não é como se almeja. Na casa de sua tia rica e branca, Maria Firmina se encontra não apenas com a vida das classes "mais altas", mas também ouve seus segredos íntimos, em posição semelhante às outras mulheres negras que, além de cozinhar, limpar e cuidar, oferecem conselhos "aos seus brancos", tornando-se frequentemente membros honorários dessas famílias - É como se fosse da família!

Também é provável que Maria Firmina tenha descoberto que a posição de privilégio ocupada por eles adviesse não da superioridade racial ou intelectual ou mesmo do estágio superior da humanidade em que eles pudessem se encontrar, mas da exploração sistemática do outro como corpo de trabalho forçado. Se nessa época ainda não tinha se tornado Negra, essa foi uma importante oportunidade.

Tudo isso fez com que, em Úrsula, ela antecipasse quase em 80 anos o Movimento da Negritude. No romance ela repudia uma narrativa heroica da vida escravizada, adotando, antes, uma perspectiva mais crítica das relações sociais. Com isso, vai minando as bases do tempo linear em que se mantém o regime patriarco-escravocrata e o romantismo como sua forma estética.

ELIANE MARQUES

26 DE NOVEMBRO DE 2022
BRUNA LOMBARDI

UMA VOZ TAMANHA

Agora é o silencio. Porque depois da voz dela se espalhar no ar, depois do mundo cantar junto, depois de fazer a vida ficar melhor e tão mais bonita, depois de você, Gal, só o silêncio.

Um silencio imenso e profundo, onde todas as vozes, os murmúrios, o burburinho das pessoas ficou num outro plano, desaparecendo ao fundo da cena, sumindo dentro de uma súbita neblina que cobriu tudo. De repente o show parou. O palco ficou vazio. No centro, no foco de luz, sua ausência.

Aos poucos sua voz vai ser multiplicada, e, por todos os lados, como jorros de luz, vamos escutar esse som que vem dos anjos, de algum lugar que é puro deslumbramento.

Os planos da minha memória se sobrepõem. Recebi a notícia ao embarcar e agora, do meio das nuvens, revejo fragmentos de uma história. Gal Costa se foi, e com ela se vai uma era. Um país que tive a sorte de vivenciar, um sonho do qual fiz parte, uma emoção sem fim.

Começa na minha adolescência, descobrindo maravilhada um mundo que falava de paz, amor e liberdade. Uma explosão de ideias e talentos, expressões, roupas, atitudes, liberdade, sexo e música, muita música.

Meu nome é Gal, cantava aquela voz de cristal, um clima selvagem nas dunas da Gal, cabelos soltos, roupas leves, corpos flutuantes e um verão que parecia nunca ter fim. A gente cantava nas ruas e, mesmo sem dinheiro para ir ao show, sentia a vibração desse novo tempo onde a Gal surgia já icônica.

Esse foi o mundo que me encantou e me deu um norte, um rumo, um pertencimento. Estávamos todos na mesma frequência, caminhando na direção do sol, sem lenço e sem documento, sem querer repetir os erros de uma sociedade que não nos traduzia.

A vida era jovem e tinha uma proposta. Tinha uma clara filosofia. Uma mudança de valores, a perspectiva da grande transformação. Era o Brasil dos anos 1970 em plena ditadura, censura e repressão. A arte era uma forma de resistência, a manifestação de um infinito talento que criou esperança de um mundo possível.

Sobrevivemos de paixão, tesão e alegria. Nem todos sobreviveram, mas essa é outra história. Agora aqui, no meio das nuvens, revejo amigos e sei como tudo isso foi me mostrando o caminho. O astral feliz dessa gente linda deu significado para as coisas e foi parte da matéria-prima que me faz ser o que sou.

Eu era a menina que queria abraçar toda a extensão do planeta, e a Gal explodia sensual na trilha sonora. O mundo discutia a revolução sexual, o poder do feminismo, do movimento black power, a contracultura e tantas outras questões fundamentais para a construção de uma nova sociedade.

A poesia concreta nas esquinas de Sampa, o Xingu e suas terras demarcadas graças aos irmãos Villas-Boas, os intelectuais brilhavam, o mundo buscava cultura, inteligência, beleza. Gente é para brilhar, e não para morrer de fome.

O Ri e eu, apaixonados, íamos em todos os shows, Doces Bárbaros, Caetano, Gil, Bethânia, Gal, Chico, Milton Nascimento, Rita Lee, Djavan, Cazuza, Marina. Nessa altura já éramos todos amigos, frequentávamos as casas uns dos outros, bares, conversas, risadas. Tudo perigoso, tudo divino maravilhoso.

Gal, amiga querida, você é para sempre.

BRUNA LOMBARDI

26 DE NOVEMBRO DE 2022
DRAUZIO VARELLA

COMO DIMINUIR A MORTALIDADE COM 15 A 20 MINUTOS DE ATIVIDADE FÍSICA

Convencer o fumante a largar o cigarro e o sedentário a andar foram os dois maiores fracassos que colecionei no curso de minha profissão.

Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um guia sobre atividade física e comportamento sedentário, com a recomendação de que pessoas adultas dediquem 150 a 300 minutos semanais à prática de atividade física moderada ou intensa.

Escrever guia é fácil, quero ver é convencer mulheres e homens a andar 30 minutos - ou pior, uma hora - cinco vezes por semana. Ao fazer esse tipo de prescrição, o médico deve se preparar para ouvir um rosário de lamentações, tantas são as atribulações diárias alegadas pela pessoa.

Na natureza, caríssima leitora, animais adultos só gastam energia em três situações: atrás de alimentos, no sexo ou para fugir de predadores. Com essas necessidades satisfeitas, evitam sair do lugar. Por isso, quando vem a ideia de praticar exercícios, desaba sobre nossos ombros o peso da preguiça sedimentada em milhões de anos de evolução.

Para uma organização como a OMS, recomendar 150 a 300 minutos semanais de atividade física é moleza, quero ver é motivar gente acostumada a ir de carro até a padaria da esquina criar coragem para levantar da cama ou do sofá, calçar tênis, vestir calção e sair para suar a camiseta.

Com essa introdução, pretendo defender que essas normas sejam modificadas, porque são utópicas e existe uma luz no fim do túnel.

E se eu disser que talvez bastem 15 a 20 minutos semanais de atividade física vigorosa para reduzir a mortalidade geral e as mortes por doença cardiovascular e câncer? Míseros 15 a 20 minutos por semana, até o mais vagabundo dos poucos leitores desta coluna consideraria razoável. Ou não?

O European Heart Journal acaba de publicar um estudo prospectivo conduzido no Reino Unido com 71.893 mulheres e homens de 55 a 68 anos (média 62,5 anos), acompanhados durante 5,9 anos, em média. A atividade física foi medida com um acelerômetro de pulso. Cerca de 80% dos participantes foram classificados como sedentários.

Simplificadamente, atividade vigorosa equivale a andar a passos rápidos (acima de 4 km/h a 5 km/h), correr, andar de bicicleta a velocidades acima de 16 km/h, jogar basquete, futebol, tênis individual, pular corda e subir escadas rapidamente.

Durante os 5,9 anos de acompanhamento a mortalidade geral e as mortes por câncer e por doença cardiovascular ficaram distribuídas da seguinte maneira:

1) 4,17% entre os sedentários

2) 2,12% nos que praticavam de zero a 10 minutos semanais

3) 1,78% entre aqueles que praticavam entre 10 e 30 minutos semanais

4) 1,47% nos que praticavam entre 30 e 60 minutos semanais

5) 1,1% nos que praticavam mais de 60 minutos semanais

Houve relação inversa entre o volume de atividade vigorosa e a mortalidade geral, por doença cardiovascular ou câncer.

A prática considerada ideal, aquela associada à mortalidade mais baixa, foi a de 53 minutos semanais. É possível que outras mais prolongadas consigam um impacto que seja ainda maior, mas o número dos que as praticaram foi insuficiente para atingir a significância estatística.

Naqueles que alternaram práticas moderadas e intensas, como andar e depois correr dois minutos, a mortalidade por doença cardiovascular caiu para 35%.

Você, leitor incrédulo, dirá que os resultados de um único estudo não podem ser generalizados. Tem razão, ninguém conhece esse princípio mais do que o ovo, ora acusado ora inocentado. Mas estudos recentes chegaram a resultados semelhantes.

Publicada no mesmo número da revista, uma pesquisa realizada com 88 mil ingleses chegou às mesmas conclusões. Entre elas, a de que andar sete minutos diários depressa reduz mais a mortalidade do que andar 14 minutos devagar.

Em 2011, um estudo publicado na revista The Lancet mostrou que a prática diária de exercícios vigorosos diminui a mortalidade geral. Resultados semelhantes foram publicados no Journal of the American College of Cardiology: correr cinco a 10 minutos por dia faz cair o número de mortes precoces, independentemente da causa.

Que desculpa você inventará agora, prezado leitor, para não dedicar 15 a 20 minutos da sua semana para viver mais e melhor? E se puder investir mais tempo, por que não?

DRAUZIO VARELLA