Nosso amigo Erasmo Carlos
Você, nosso amigo de fé, nosso irmão camarada, traduziu o que significa estar junto, fazer música em turma, atravessar as madrugadas acompanhado, pedalar as horas nas cordas do violão, chamar as pessoas para perto e para dentro, fundar um movimento, organizar a Jovem Guarda.
Você, meu amigo de fé, meu irmão camarada, amigo de tantos caminhos e tantas jornadas, cabeça de homem e coração de menino, que se tornou roqueiro para ter banda, para dividir o sucesso, para dividir o palco, para dividir o balanço das poltronas do ônibus na estrada.
Você, que é aquele que está ao lado em qualquer caminhada, um grande guerreiro de portas abertas, recebendo gente, dando a mão com a força do seu canto, esquentando o quarto pra secar o pranto, aumentando o volume do rádio com filosofia e poesia.
Você, amigo mais certo das horas incertas, às vezes, em certos momentos difíceis da vida, em que precisávamos de alguém para ajudar na saída, a sua palavra de carinho nos deu a certeza de que nunca estivemos sozinhos.
Você, que nasceu Erasmo e foi Carlos pelo companheirismo. Você, que só entrou na música para fazer amigos, sai dela agora rodeado deles. Você, que não soube fazer outra coisa senão cantar desde a infância, com Tim Maia e Jorge Ben Jor, depois na juventude, com Snakes e Renato & Seus Blue Caps.
Você, Gigante Gentil, que pregava a fama de mau, mas era dengoso, que se declarava terrível, mas era suave, que se definia apressado, mas tinha paciência, que veio do bar Divino para espalhar delicadeza.
Você, que deixou quinhentas canções de herança com o Rei, que formou um reino na parceria.
Você, que criou a Gatinha Manhosa, várias ondas, a Festa de Arromba, que não foi mais um na multidão, que tinha a chave do mistério, que ferveu queimando. Você, amigo de fé, irmão camarada, sorriso e abraço festivo da nossa chegada, onde desaguar os braços em sua despedida? Você, que se arranhou com os espinhos para proteger a flor, que escolheu ser a alegria no meio da dor, que nos alertava o quanto era preciso saber viver.
Você, que andou demais, não olhou para trás, era solto em seus passos, bicho livre, sem rumo, sem laços. Você, que foi uma criança não entendendo nada e nos explicando tudo. Você, fã de Elvis Presley e James Dean, com as suas calças e jaquetas de couro, sempre se apresentando tremendamente simpático. Você, que apanhava o infinito de uma coisa boa e o jogava para orbitar em torno de nós.
Você, que não era sujeito de ficar se lamentando, tinha fé na vida, fé no homem, fé no que virá.
Você, só podia, ainda arrancou melodia do seu último suspiro. Aos 81 anos, nem a morte será capaz de o envelhecer. Depois de você, eu não quero mais conversa com quem não tem amor. Gente certa é gente aberta. Não preciso nem dizer isso que eu digo, mas é muito bom saber que você foi nosso amigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário