sexta-feira, 18 de novembro de 2022


18 DE NOVEMBRO DE 2022
DIÁRIOS DO PODER

Promessas versus choque de realidade

Tanto o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, quanto seu adversário, Jair Bolsonaro, sabiam, durante a campanha, que, para cumprir a promessa de manter o Auxílio Brasil (que será rebatizado como Bolsa Família) em R$ 600 seria necessário, tão logo passasse o segundo turno, um jeitinho no orçamento.

No caso do atual presidente, inclusive, há o agravante de que, enquanto prometia nas ruas e nos debates manter o benefício social, seu governo enviou proposta de orçamento para 2023 que previa apenas valor médio de R$ 405,21 para beneficiários, além de cortes duros nas verbas de habitação e no programa Farmácia Popular. Passada a eleição, Bolsonaro silencia em seu bunker no Alvorada.

Já Lula experimenta a desconfiança do mercado em sua primeira passagem por Brasília, na semana passada, quando as cotações dos principais mercados de ativos derreteram em reação ao discurso em que indicava prioridade com gastos sociais e relativizava regras de controle fiscais. Ontem, ele voltou, dessa vez no Egito, a repetir o erro de se julgar acima do bem e do mal, ao defender furar o teto de gastos como uma "responsabilidade social". E desdenhar:

- Se eu falar isso vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência.

Não seria difícil prever: no início da tarde, o Ibovespa caía 2,07%, e o dólar comercial subia 1,33%.

O presidente eleito ainda não desceu do palanque. Até porque, nos acarpetados salões do balneário de Sharm El-Sheikh, só colhe elogios: "Exuberante", taxou, por exemplo, The New York Times na edição de quarta-feira, após as promessas de reposicionar o Brasil como player global e gigante ambiental.

Na primeira ocasião em que provavelmente seria questionado sobre os passos da transição, Lula cancelou a entrevista coletiva que estava prevista na COP27, com jornalistas do mundo inteiro fazendo fila. O motivo alegado pela assessoria foi atraso na agenda. Mas o fato é que evitou, assim, perguntas inconvenientes sobre os gastos extras que pularam dos anunciados R$ 175 bilhões para R$ 198 bilhões.

No nível doméstico, aqui em Brasília, a PEC - e principalmente seu prazo alongado - provoca fissuras. É visível o mal-estar do grupo de economistas composto por André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa e Pérsio Arida, escanteados do debate e com acesso tardio ao texto da minuta apresentada ao Congresso.

Lula só será confrontado com o custo político da PEC da Transição e as esperadas contrapartidas quando voltar ao Brasil, na semana que vem. O choque de realidade virá depois da escala em Portugal.

Como o senhor recebeu o convite para integrar a transição federal?

Brinco que há dois gaúchos na transição: eu e o Carlos Augustin (empresário, conselheiro para o agronegócio do presidente eleito), um é de Selbach e o outro, de Tapera. Estamos animados, as coisas estão acontecendo. A poeira está baixando. E o setor precisa entender que é preciso sentar à mesa e discutir as políticas. Primeiro o diagnóstico, a transição e, depois, se apresentar para discutir políticas públicas para o setor, do ponto de vista tanto da segurança jurídica quanto no crédito no mercado internacional, logística. Estou bem animado, acho que vai andar bem.

A proximidade do agronegócio é com o governo Jair Bolsonaro. As resistências passarão com o tempo?

Acho que sim, é só resgatar as políticas que foram implementadas no governo do presidente Lula no passado. Quando Lula assumiu, em 2003, conseguimos aprovar biotecnologia, os transgênicos. No Rio Grande do Sul, quem não lembra da "soja Maradona", que era um desastre. Reestruturamos todo o crédito: quantos problemas os arrozeiros do RS tiveram... E o governo federal fez renegociação de dívidas, estendeu a mão. 

A questão dos estoques públicos, e políticas voltadas ao crédito, maior programa de armazenagem, taxa de juro de 3,5% com até 15 anos para pagar. Muita coisa foi feita. A figura do custeio, do pré-custeio, o seguro agrícola. Mercado internacional... Lula colocou o setor debaixo do braço, viajou o mundo inteiro, conseguimos conquistar vários mercados. A questão ideológica fica um pouco de lado, vamos trabalhar com pragmatismo, e com certeza a gente vai pacificar e o setor vai defender as políticas de nosso interesse. E bola para frente, vida que segue. E dá para fazer as políticas sociais integradas com a produção.

Um dos pontos que o presidente eleito falou na COP27 é equilibrar interesses do setor agrícola com proteção do ambiente. É possível pacificar essa relação?

Não é só possível. É necessária, inclusive. Produzir respeitando meio ambiente é obrigação dos produtores. Mato Grosso é exemplo disso. Fizemos a tarefa de casa. Recuperamos todas as áreas de proteção ambiental, enquadramos no Código Florestal. Não dá para pensar em ficar desmatando e tocando fogo a toda e qualquer hora, sem inteligência. Precisamos fazer de forma sustentável. Quem comete crime ambiental é criminoso. É assim que funciona. Essa imagem no mercado internacional precisa ser consolidada. E podemos fazer. 

Temos 30 milhões de pastagens que podem ser incorporadas ao sistema de produção de grãos. Se fizer isso de forma responsável, vamos ajudar no meio ambiente. Essa é a narrativa que tem de ser feita. O produtor não degrada o meio ambiente. Ao contrário: quando você produz dentro da sustentabilidade, capta carbono e fixa na raiz através do plantio direto. Essa imagem que temos de vender lá fora. Não de quem chuta o balde, diz que a "Amazônia é nossa, fazemos o que queremos". Temos responsabilidade com o mundo, o produtor sabe disso e pode fazer a produção dentro da sustentabilidade, ganhando dinheiro inclusive.

Como o senhor acha que pode contribuir para estabelecer essa ponte entre o agro e o governo Lula?

Eu estou muito tranquilo porque sempre estive na trincheira do produtor e não vou sair. Sou agricultor, fui um dos fundadores da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso), conheço o setor e tenho amizade. Inclusive conversei com os arrozeiros, ainda não consegui falar com o pessoal da Farsul, mas estou aberto para conversar, estamos conversando com a CNA (Confederação Nacional da Agricultura). O que precisamos é trazer esse povo para sentar à mesa e ocupar os espaços. Não podemos só ficar reclamando, temos de apresentar solução.

Uma palavra sobre a PEC da transição apresentada na quarta-feira pelo gabinete de transição.

O Congresso está muito sensível. Vai ser aprovada. E precisa ser aprovada para o governo poder tocar o país no próximo ano. Inclusive dar um pouco de elasticidade para o orçamento na área da agricultura. Confirmado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, na quarta-feira, como integrante no grupo de agricultura no governo de transição, o deputado federal Neri Geller (PP-MT) afirma que, com o passar das semanas após a eleição, mais representantes do agronegócio irão sentar à mesa de negociação em busca de diálogo com o futuro governo. 

Nascido em Selbach, no Rio Grande do Sul, e eleito pelo Mato Grosso, o parlamentar e ex-ministro da Agricultura se posiciona como um dos construtores de pontes entre o setor, que apoiou maciçamente a reeleição de Jair Bolsonaro, e o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele conversou com a coluna ontem de manhã, em Brasília. A seguir, os principais trechos.

NERI GELLER Deputado federal (PP-MT)

RODRIGO LOPES

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