sábado, 26 de novembro de 2022


Se saísse o golpe

Esta crônica é uma obra de ficção, mas qualquer semelhança com a realidade não será mera coincidência.

"Iludidos com as multidões em verde-amarelo que tomam as ruas para celebrar o Hexa, um grupo de militares renegados desfecha uma quartelada. Atendendo ao clamor dos adoradores de muros de quartel, eles proclamam a manutenção de Jair Bolsonaro no poder, dissolvem os tribunais superiores, com a prisão de seus ministros, e preveem, talvez para dali a uns anos, eleições com voto em papel. A cúpula do governo eleito é levada para local ignorado.

Em questão de horas, os EUA, a Europa e toda a América Latina, à exceção do Paraguai, repudiam o golpe e anunciam sanções ao Brasil. O país fica isolado. A China começa a procurar novos fornecedores de alimentos. As contas no Exterior dos financiadores do golpe são bloqueadas. Os golpistas e seus apoiadores, identificados por manifestações em redes sociais, são proibidos de entrar nos EUA e na Europa.

Os presidentes da Câmara e do Senado se levantam contra a intentona e são destituídos, bem como todos os mandatos parlamentares até que, talvez, haja nova eleição. Com as cortes superiores fechadas e sitiadas, Judiciário e Ministério Público entram em colapso. A imprensa é sufocada. Sem os holofotes do jornalismo, a fiscalização do MP e a punição pela Justiça, bilhões são rapinados dos cofres públicos.

Em represália ao golpe, EUA e Europa congelam grande parte das reservas internacionais do Brasil. Os dólares oficiais somem e a cotação no paralelo salta para R$ 20. A inflação dispara, a Bolsa derrete. O país tem dificuldades para importar diesel. O transporte e o agronegócio operam aos solavancos. As prateleiras dos supermercados se esvaziam.

O novo regime só tem apoio firme dos ecocidas que querem fazer da Amazônia uma grande pastagem e de alguns pastores fanáticos. O Brasil vive dias de teocracia iraniana. Os muitos milhões que rejeitam o golpismo, e que até então olhavam para os grupos diante dos quartéis entre a indiferença e o desprezo, ocupam as ruas em gigantescos protestos. Repetições do episódio da Legalidade eclodem do Rio Grande do Sul ao Pará. O regime chama o Exército para reprimir as manifestações, mas os comandantes se negam a disparar contra civis desarmados. Massas famintas vagam pelas estradas e tentam sair do país. Os vizinhos, Venezuela inclusive, reforçam os controles nas fronteiras.

Com o caos generalizado, Bolsonaro foge para o Paraguai, onde é obrigado a conviver com Roberto Jefferson. O governo e o Congresso eleitos tomam posse, e os sediciosos que desencadearam o golpe são presos e condenados com base na Constituição. A paz e a ordem voltam a imperar, mas o país, destroçado, ainda levará anos para se recuperar".

Acordou? Era um pesadelo. Era?

MARCELO RECH

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