24
de julho de 2014 | N° 17869
LUCIANO
ALABARSE
O PREÇO DE QUEM ARRISCA
Felipão,
como Édipo, deveria furar os olhos para enxergar melhor o que aconteceu. Aceitar,
como o célebre personagem, sua necessária condenação ao ostracismo. Abandonado
por quem lhe bajulava antes, perambulando por estradas de chão batido, chegaria
ao limiar de Colono, o bosque sagrado dos gregos, onde receberia o perdão dos
deuses olímpicos. Na recriação brasileira, Antígona, a filha amorosa do rei,
seria substituída pela cadeia de supermercados que o patrocinou nos tempos de
opulência.
Alimentação
e redenção garantidas. Esses caras do futebol exemplificam à perfeição a “hybris”
que conceitua a trajetória dos que, escolhidos, protagonizam histórias de
ascensão e queda que marcam a formação da dramaturgia ocidental.
Tragédia
por tragédia, prefiro A Vertigem dos Animais Antes do Abate. O autor Dimítris
Dimitriádis joga pesado, eu sei. Francisco Marshall me alertou para possíveis
reações controversas ao espetáculo, pois a “falocracia” e a castração do macho
branco, tema central da encenação, ainda hoje é símbolo e pilar da nossa
civilização. Do século 5 a .C.
até hoje, o teatro foi e é o território das ousadias mais belas, das
experimentações estéticas mais agudas e das mais contundentes reflexões sobre a
condição humana.
Malditos
benditos, nomes como Jean Genet, Thomas Bernhard, Nelson Rodrigues e Samuel
Beckett mantêm viva a chama evolutiva da dramaturgia, a mostrar que o teatro não
parou na teoria aristotélica de ação Koltès, Asmussen, Pommerat e o próprio
Dimitriádis estão aí e não me deixam mentir. O público de Porto Alegre tem
demonstrado maturidade para acompanhar tal evolução. Plateias inteligentes me
interessam. O distanciamento temporal colabora, pois dá a cada obra artística
lugar e reconhecimento. O novo sempre vem.
Juarez
Fonseca, um dos meus amigos mais queridos, brincando e falando sério, disse que
minha próxima montagem deveria ser Mary Poppins. Não será. Não consigo encarar
o palco como atividade diletante, mercantilista. Quero arriscar, cutucar o
gosto do público, a equação do sucesso conservador, a caretice desses tempos
banalizados pela linguagem televisiva. Nada melhor que o teatro de dramaturgia
contundente para tal propósito.
É o
que vou fazer, feliz, o resto da vida. Vão me atirar umas pedras, eu sei,
perder público – como me disse o Arthur de Faria. É o preço? Ok. Negócio
fechado.