sábado, 19 de julho de 2014


19 de julho de 2014 | N° 17864
CAPA

É IMPOSSÍVEL SER FELIZ SOZINHO?

CIÊNCIA MOSTRA QUE ESTAR SÓ PODE TRAZER BENEFÍCIOS, MAS TAMBÉM PREJUDICAR A SAÚDE FÍSICAE MENTAL

As pessoas preferem sofrer a ficar sozinhas e desconectadas, mesmo que por poucos minutos. Foi isso que mostrou um recente estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Virginia, nos Estados Unidos, e publicado este mês na revista científica “Science”. Colocados sozinhos em uma sala, os voluntários do experimento deveriam passar 15 minutos sem fazer nada, longe de seus celulares e qualquer outro estímulo, imersos em seus pensamentos.

Mas, caso quisessem, bastava apertar um botão e tomariam um choque elétrico. O resultado foi surpreendente: 67% dos homens e 25% das mulheres, entediados, preferiram as descargas elétricas a que ficar sem estímulo nenhum, somente na companhia de seus pensamentos. Alguns deles, inclusive, optaram pelo “castigo” repetidas vezes. Os líderes do estudo se mostraram surpresos com o resultado, que indicou como as pessoas encaram de forma negativa a ideia de estarem em contato consigo.

Defendido por muitos como uma forma de se conhecer melhor e temido por outros tantos, o estar só parece cada vez mais assustar o homem que, imerso em uma sociedade a cada dia mais conectada, vê no isolamento algo distante e doloroso. Mas será que estes momentos são tão ruins assim? O que a ciência mostra é que estar só pode tanto trazer benefícios como prejudicar a saúde física e mental. O importante é saber como lidar com essa condição e aprender a ter controle sobre ela.

uExplicação pode estar nos genes

Tema estudado há anos pelo psicólogo americano John Cacioppo, diretor do Centro de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade de Chicago (EUA), o medo da solidão pode estar nos nossos genes. Segundo o especialista, a justificativa de evitarmos o isolamento está no fato de sermos uma espécie social que, durante muitos anos, dependeu do comportamento em grupo para a sobrevivência e que, ainda hoje, pelo menos nos primeiros anos de vida, carece dos laços com os pais ou cuidadores:

– Quando nos sentimos sozinhos, o corpo emite um aviso de que algo não está bem. É um sinal que, assim como a fome, a sede ou a dor, nos induz a uma mudança de comportamento. Neste caso, nos faz buscar contato com outras pessoas – resume.

u Reflexos no organismo

Quando esse vínculo não é restabelecido, o sentimento de estar só se torna crônico. Ou seja, passamos a viver em um quadro de solidão, as consequências extrapolam a mente e podem atingir o restante do corpo.

Diversos estudos realizados ao longo dos últimos anos relacionam a solidão com aumento da pressão arterial e aceleração do processo de envelhecimento, alguns indicando que ela pode fazer tão mal ao organismo como a obesidade. Também há trabalhos científicos que colocam os solitários na categoria dos mais sujeitos a arteriosclerose, diabetes e ataque cardíaco. Sem contar o elevado índice de suicídios entre os que se sentem cronicamente sós.

Não é à toa que o isolamento nos assusta tanto. E, em uma sociedade que proporciona a conexão 24 horas, a tendência é seguirmos caminhando no sentido oposto: o de estar o tempo todo conectados em nossos smartphones, tablets e afins.

Apesar de tentadora, essa não é, para especialistas, a forma de evitar a solidão, já que ela não aparece somente quando estamos fisicamente sozinhos, comenta o psiquiatra Nelio Tombini, do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. A solidão, diz o psiquiatra, não está diretamente ligada à realidade externa, ou seja, à presença ou ausência de pessoas e estímulos, mas sim a um sentimento interno de conexão com o mundo e com quem nos cerca.


jaqueline.sordi@zerohora.com.br