27
de julho de 2014 | N° 17872
MARTHA
MEDEIROS
Uma blusa e uma amizade
Eu
estava na cidade dela, não na minha, e sendo visita acatava as sugestões de
tudo: onde almoçar, o que ver, o que fazer. Não que eu fosse uma estrangeira
naquele lugar, pelo contrário, era uma das capitais em que mais estava quando não
estava em Porto Alegre, seguia meus próprios rituais quando andava sozinha por
suas alamedas, já tinha preferências sedimentadas, mas desta vez caminhava ao
lado de uma amiga nova e nativa, e que, com um entusiasmo de anfitriã, apontava
o que eu deveria enxergar com os olhos dela, não com os meus.
Foi
então que passamos por uma loja de calçada, uma butique com uma atmosfera
oriental, que ela apresentou como seu local preferido para comprar túnicas,
pantalonas, roupas exóticas e coloridas. “É a tua cara, Martha, vamos entrar.” Entramos
feito duas arqueólogas em busca de alguma raridade, até que ela garimpou uma
blusa entre tantas, linda de fato. “Experimenta!” Obediente, fui para o
provador e vesti a blusa que era três vezes o meu tamanho e custava três vezes
mais do que meu orçamento permitia. “Vou levar”, anunciei.
Minha
nova amiga ficou alegre e segura com a comprovação do quanto já me conhecia. “Tinha
certeza de que você iria amar essa loja.” Aquela loja que ela julgava a minha
cara, e que até era, ainda que “cara” fosse palavra incompatível com meus
sonhos de consumo.
Isso
foi quando? Uns seis anos atrás, talvez sete, talvez oito.
Depois
disso, ficamos mais e mais amigas, mas nunca usei a blusa. Inúmeras vezes a
coloquei, tirei, coloquei de novo, tentei combinar com calça, com saia,
experimentei por cima do biquíni, até pensei em usar para dormir, aí lembrei do
preço, não, para dormir não. Recolocava no armário e a deixava pendurada no
cabide, aguardando a oportunidade que toda mulher acredita que virá, mas que
para aquela blusa não veio.
Esta
semana, arrumando gavetas, separando peças para doação, peguei a blusa e pensei:
“Chegou tua hora”. Não era a primeira vez que me preparava para dar adeus a
ela, mas relutava feito um amor que a gente sabe que não serve, mas que se
ilude que um dia, por milagre, se transformará no nosso número. Só que as
coisas não mudam apenas porque queremos que mudem. A linda blusa morou em minha
casa por um tempo demasiado devido a minha fé e romantismo, mas havia chegado o
momento de seguir o seu destino.
Dobrei-a
com carinho e a coloquei numa sacola junto a camisetas gastas e a jaquetas puídas.
Misturei a blusa virgem junto a peças veteranas, ela que também já não
aparentava ser muito nova, ainda que sem uso. E lá se foi ela, intocada, sem
meu cheiro. A blusa que comprei apenas para vestir uma amizade ainda nua.