31
de julho de 2014 | N° 17876
L.F.
VERISSIMO
Vida de cinema
Os
filmes que víamos antigamente não nos prepararam para a vida. Em alguns casos,
continuam nos iludindo. Por exemplo: briga de socos. Entre as convenções do
cinema que persistem até hoje está a de que socos na cara produzem um som que
na vida real nunca se ouviu.
O
choque de punho contra rosto fazia estrago nos rostos – ou não fazia, eram
comuns lutas em que os brigões quase se matavam a murros terminarem sem nenhuma
marca nos rostos –, mas poupava os punhos. E como sabe quem, mal informado pelo
cinema, entrou numa briga a socos, o punho quando acerta o alvo sofre tanto
quanto o alvo.
No
cinema de antigamente, você já sabia: quando alguém tossia, era porque iria
morrer em pouco tempo. Tosse nunca significava apenas algo preso na garganta ou
uma gripe passageira – era morte certa. Quando um casal se beijava
apaixonadamente e em seguida desaparecia da tela era sinal de que tinha se
deitado. E depois, não falhava: a mulher aparecia grávida.
Nunca
se ficava sabendo o que acontecia, exatamente, depois que o casal desaparecia
da tela, a não ser que o filme fosse francês. Pode-se mesmo dizer que o começo
da mudança do cinema americano começou na primeira vez em que a câmera
acompanhou a descida do casal e mostrou o que eles faziam deitados. Depois
desse momento revolucionário, não demoraria até aparecerem o beijo de língua e
o seio de fora. E chegarmos ao cinema americano de hoje, em que, de cada duas
palavras ditas, uma é “fucking”.
Se a
vida fosse como o cinema nos dizia, nunca faltaria bala nas nossas pistolas ou
gelo no balde para o nosso uísque quando chegássemos em casa. E, sempre que tivéssemos
de sair às pressas de um restaurante, atiraríamos dinheiro em cima da mesa sem
precisar contá-lo e sem esperar que o garçom trouxesse a nota.
Seria
uma vida mais simples, a cores ou em preto e branco, interrompida a intervalos
por números musicais em que cantaríamos acompanhados por violinos invisíveis, e
quando dançássemos com nossas namoradas seria como se tivéssemos ensaiado
durante semanas, e não erraríamos um passo, e seríamos felizes até the end.