DAVID
COIMBRA
A última frase do
poeta
A
minha pátria é a língua portuguesa, escreveu Fernando Pessoa, e depois Caetano
Veloso nele se inspirou para tecer uma bela canção. Interessante que a última
frase dita por Fernando Pessoa não foi em português, foi em inglês. No leito de
morte, um segundo antes do último suspiro, ele balbuciou: “I know not what
tomorrow will bring”. Eu não sei o que trará o amanhã.
Ou
seja: Fernando Pessoa morreu no exílio.
Fernando
Pessoa falava e escrevia com fluência em inglês. Aprendeu quando morou em
Durban, na África do Sul. Ao passar por Durban, durante a Copa de 2010, visitei
o colégio em que ele estudou. Estava fechado, era tempo de férias, mas, depois
de alguma argumentação, o zelador abriu o portão para que eu entrasse e fosse
fazer reverência a um busto em bronze do poeta, plantado no pátio da escola.
Deu
certo trabalho convencer o zelador, mas valeu a pena. Tudo vale a pena,
quando... Você sabe.
Tenho
pensado muito nisso que Fernando Pessoa disse, “a língua é minha pátria”, agora
que estou vivendo em inglês. Porque as sutilezas da língua fazem toda a
diferença. Por mais que você se esforce para compreender tudo o que está sendo
dito e para dizer tudo o que pretende de forma correta, por mais que você
estude e preste atenção, há sempre alguma pequena minúcia que lhe escapa, e é
essa minúcia que dá a chave para o pensamento e o sentimento do interlocutor.
Estou
vivendo numa cidade linda, agradável e acolhedora. Um bostoniano me disse,
outro dia, que quem vive em Boston é de Boston. A cidade adota todos os que
querem nela viver. Gentileza do bostoniano. Boston pode até me querer, e eu
posso até querê-la, mas, por mais distante que esteja, por melhor que me sinta
em outro lugar, o verbo me acorrenta ao Brasil.
O
Brasil é tantas vezes injusto, os brasileiros são mais agressivos, tristes e
rancorosos do que imaginam, as grandes cidades brasileiras são selvagens, são
lugares onde as pessoas vivem tensas, onde o Mal espreita em cada esquina, tudo
isso é verdade, mas quem teve a cabeça forjada pela língua portuguesa tem a
alma forjada pela língua portuguesa. Tanto quanto Fernando Pessoa, eu não sei o
que trará o amanhã. Nem para mim, nem para esse país convulsionado que é o
Brasil. Mas sei que meu coração sempre estará aí. Sempre estará enterrado numa
curva do Rio Guaíba.