29
de julho de 2014 | N° 17874
DAVID
COIMBRA
A LEI
DESRESPEITADA
Em
1979, o Inter que não era qualquer Inter; era o Inter de Falcão. Pois esse
poderoso Inter estava acabrunhado, escalavrado, dilacerado. Havia perdido o
Campeonato Gaúcho para o Grêmio de Paulo César Caju de forma humilhante,
ficando 10 pontos atrás, chegando na terceira colocação, o que, na época, era
vexame. Verdade que o Grêmio também montara um time de respeito: Manga no gol,
Ancheta na zaga-central, o já citado Caju no meio, Tarciso, Baltazar (ou André)
e Éder no ataque. Uma seleção.
Tentando
se recuperar do revés, o Inter chamou, para o Campeonato Brasileiro, um técnico
que fizera sucesso com um apenas mediano time do Grêmio quatro anos antes: o
jovem Ênio Andrade. Ênio começou a reorganizar o time. Definiu o meio-campo com
Batista, Jair e Falcão, reforçando o setor com um falso ponta-esquerda, o
manhoso Mário Sérgio, o Vesgo, o turfista, o amigo do Guerrinha. No ataque,
claro, manteve o grande Valdomiro Vaz Franco, o líder do time. Na defesa,
promoveu um guri magrinho, dono de boa técnica, chamado Mauro Galvão. No gol, o
paraguaio Benitez. Outra seleção.
O Campeonato
Brasileiro de então era muitíssimo confuso, disputado por quase cem times
divididos em chaves. Foi o último certame organizado pela CBD, que depois foi
extinta pela Fifa. Quatro clubes paulistas, Corinthians, Santos, São Paulo e
Portuguesa, brigaram com os dirigentes da Confederação e simplesmente não
participaram do campeonato. Uma bagunça.
Em
meio à polêmica, Ênio foi trabalhando em silêncio e encaixando as peças do seu
time. Era um ourives no trabalho paciente da lapidação. Estava ficando bom, mas
era preciso algo mais. Era preciso confiança. Então, no meio do ano, veio o
Gre-Nal. Chovia, e o jogo estava duro e truncado, como quase todos os Gre-Nais.
No
finzinho, quando a torcida já saía do Beira-Rio, o juiz marcou uma falta para o
Inter no lado esquerdo de ataque, longe do gol, na intermediária. Falcão e Jair
se posicionaram para bater. Era uma jogada ensaiada. Falcão correu reto para a
bola e Jair pela lateral. Falcão deu um toque para o lado, tirando a bola da
barreira e abrindo o lance para Jair. Que chutou.
Outro
dia, encontrei Jair, e ele me disse que o grande chutador tem de ter pé
pequeno. Segundo ele, só o pé pequeno cobre toda a circunferência da bola. De
fato, Rivellino, o maior deles, calçava 37. Se não me engano, é o mesmo tamanho
do pé de Jair. Pois Jair bateu com o peito daquele seu pequeno pé na bola
branca e ela fez uma curva inverossímil, um ponto de interrogação invertido que
saiu das mãos tortas de Manga e entrou no ângulo: 1 a 0 para o Inter.
Depois
daquele Gre-Nal, o Inter não parou mais de vencer, e foi campeão invicto. O
Gre-Nal tem esse poder. Poderia citar dezenas deles que foram semelhantes, dos
dois lados. O Gre-Nal, sempre digo e repito, não é o jogo mais importante para
a Dupla: é o único jogo importante para a Dupla. Quem não compreende isso, não
compreende Grêmio e Inter.
Quando
Enderson Moreira fracassou rotundamente nos Gre-Nais do Gauchão, deveria ter
sido demitido. Porque não foi um revés comum. Reveses acontecem, são do futebol
e da vida. São aceitáveis e, às vezes, fundamentais para futuros sucessos. Só
que foi mais do que isso: foi um desastre, com um responsável principal. Esse
responsável não poderia ficar. É a lei, para a dupla Gre-Nal. O Grêmio não
respeitou essa lei, e agora terá de se debater com a mudança em meio ao
Campeonato Brasileiro.
O
próximo técnico do Grêmio não terá tempo, como teve Ênio. Não terá certa calma
para trabalhar enquanto os adversários se debatem, como aconteceu com Ênio.
Terá de fazer tudo sob pressão, sem margem para erro, sem poder aprender com
eventuais tropeços. Tudo porque não houve respeito ao resultado do Gre-Nal.
Tudo porque o Grêmio não entendeu, e não entende: só o Gre-Nal importa para a
dupla Gre-Nal.
O
NOVO DUNGA
Tenho
acompanhado as amáveis entrevistas de Dunga. Essa nova suavidade do treinador
mostra o que sempre soube dele: ele sabe perder, ele aprende com a derrota, ele
se refaz. Dunga está se refazendo. Está se tornando um novo Dunga. Tomara que
definitivamente.