26
de julho de 2014 | N° 17871
NÍLSON
SOUZA
CADA COISA EM SEU
LUGAR
Como
a “indesejada das gentes” é frequentadora assídua das nossas páginas e, por
extensão, do nosso ambiente de trabalho, já nos habituamos a tratá-la com certa
intimidade e até em tom de brincadeira. Nesta semana, por exemplo, cruzei com o
colega Carlos Moreira no corredor da Redação e ouvi do nosso inspirado crítico
literário o seguinte comentário:
–
Está alto o índice de mortalidade entre os imortais.
Referia-se
à recente partida de João Ubaldo Ribeiro, seguido por Ariano Suassuna, ambos da
Academia Brasileira de Letras. Em resposta, lembrei-lhe de uma frase que Moacyr
Scliar, outro imortal que nos deixou cedo demais, gostava de dizer:
–
Somos imortais, mas não somos imorríveis.
Jornalistas
também brincam com a “magra”, mas de vez em quando saem de mãos dadas com ela
para cumprir a última pauta. Só na semana que está terminando nos despedimos de
Emanuel Mattos e Mário Pereira, dois combativos colegas que deixaram textos
primorosos e saudades. A menina do obituário, que tem 20 anos e um sorriso
angelical, recorreu à sala da Opinião para buscar informações sobre eles.
Brinquei, parafraseando a manifestação do autor de Peter Pan sobre as fadas:
–
Cada vez que a Jéssica entra na nossa sala, morre um velho jornalista.
Em
seguida, para atenuar o mau gosto da piada autodefensiva, lembrei-lhe de uma
citação célebre do norte-americano Gay Talese, sobre o redator de necrológios
do New York Times:
– Os
redatores de obituários nunca morrem.
É
raro mesmo que se leia o obituário de um obituarista. Porém, há dois ou três
anos, o jornal O Estado de S. Paulo abriu a página fatídica com a informação do
passamento do seu titular, Antônio Carvalho Mendes, conhecido entre os colegas
por Toninho Boa Morte. Depois de 50 anos de trabalho e cerca de 800 mil
obituários escritos.
Cumpriu
exemplarmente o prognóstico do poema de Manuel Bandeira: “Quando a Indesejada
das gentes chegar,/ encontrará lavrado o campo,/ a casa limpa,/ a mesa posta./
Cada coisa em seu lugar”.