17 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA
A utilidade dos reis
Bruno Astuto é uma espécie de especialista em monarquia. Nós o entrevistamos ontem, no Timeline, da Gaúcha. Tempos atrás, li um livro que ele escreveu, sobre a rainha Catarina de Médici. Há muitos livros que tratam de Catarina, gosto demais dessa personagem da História. Mas esse é um pouco diferente, porque Astuto enfatiza o papel da rainha como sofisticadora dos costumes franceses, mais do que como soberana.
De fato, Catarina ajudou a tornar Paris o que Paris é. Naquela época, entre os séculos 15 e 16, Florença era a cidade mais refinada do mundo, por ser a luminosa capital do Renascimento Italiano. Catarina saiu de lá para se casar com o rei francês. Em Paris, criou regras de etiqueta para a corte e ensinou os franceses até a usar o garfo. Mas a maior contribuição de Catarina para a humanidade foi a gloriosa invenção da calcinha.
Naquele tempo, as mulheres não usavam nada debaixo dos vestidos. Então, quando tinham de montar a cavalo, não montavam, sentavam de ladinho. Catarina gostava de cavalgar como um homem, mas não queria que os súditos vissem suas reais partes pudendas. A saída foi costurar calçolas e vesti-las sob a saia. Daí, foi só esperar pela criatividade feminina para que se chegasse às maravilhosas calcinhas com rendinha, branquinhas, bem pequenininhas, ai.
Mas não queria falar sobre Catarina em particular, e sim sobre a monarquia em geral. Bruno Astuto vai assistir ao casamento do príncipe Harry com a atriz americana Meghan Markle, em maio. As TVs do mundo todo, inclusive as brasileiras, já anunciaram que vão transmitir ao vivo a cerimônia, como se fosse uma final de Copa do Mundo. O que é espantoso. Afinal, a maioria das cerca de 30 monarquias que ainda existem no planeta tem apenas função decorativa. Quer dizer: reis e rainhas não mandam nada. Na Grã-Bretanha do príncipe Harry, isso é tão verdadeiro, que o termo "rainha da Inglaterra" virou sinônimo de cargo elevado com poder reduzido.
Por que esses países gastam redondas somas de dinheiro para manter realezas inúteis?
Direi: porque não são inúteis. A monarquia é um antídoto contra o populismo. Reis e rainhas, príncipes e princesas catalisam a necessidade de adoração que as pessoas sentem. A liturgia que comanda as suas ações passa à população a impressão de que há algo pairando acima do homem comum. E mais: ainda que não governem, parece que aqueles seres tão veneráveis podem, a qualquer momento, intervir para salvar o povo de algum infortúnio.
Desta forma, os governos podem ser discretos e até austeros, como devem ser os governos. Nós, brasileiros, tivemos nossos dois Pedros e, depois deles, uma dolorosa sucessão de candidatos a reis, populistas rasteiros que não querem gerir o país, querem apenas o poder. Quase 130 anos se passaram, e continuamos a buscar líderes iluminados em vez de governantes eficientes. Quando enfim vamos evoluir? A resposta é óbvia: quando deixarmos de ser súditos para nos tornarmos cidadãos.
DAVID COIMBRA