sábado, 28 de abril de 2018



28 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA

A razão da amargura

Em qualquer discussão, seja qual for o tema, chega o momento em que alguém usa o nazismo como argumento. Funciona. Em primeiro lugar, porque o nazismo é reconhecido no Ocidente como o mal absoluto. Em segundo, porque faz parte de um contexto tão amplo, que pode ser associado ao que o argumentador bem entender. Dos neoliberais aos comunistas, passando por vegetarianos e abstêmios, todos correm o risco de, em algum momento, ter suas atitudes comparadas com o nazismo. Qualquer um, em qualquer causa, pode usar o nazismo como arma.

Já o irmão mais velho do nazismo, o fascismo, serve mais como espingarda das esquerdas. Esquerdistas adoram chamar direitistas de fascistas.

Só que as realidades se confundem nesse campo ideológico. Ontem, escrevi sobre Getúlio Vargas. A esquerda do século 21 admira Getúlio Vargas e se identifica com ele. Há uma tese de que a divisão da sociedade brasileira vem daquela época: Vargas seria a esquerda que protegia os pobres, e seus inimigos seriam os elitistas da direita que queriam explorar os pobres. Lula, inclusive, tenta emular Vargas. Em seu último discurso antes de ser preso, ele empregou várias imagens que o ligam ao Vargas da carta-testamento. Todas aquelas referências messiânicas, tipo "se meu coração parar de bater, baterá no coração de vocês" ou "não sou mais um homem, sou uma ideia", tudo isso tem o tom dramático de "saio da vida para entrar na história".

Acontece que, na verdade, Vargas foi talvez o maior perseguidor de esquerdistas da história brasileira. Colocou o PC na ilegalidade, prendeu, torturou e matou comunistas. Mais: ele simpatizava tanto com o nazismo, que vacilou até o último instante em apoiar os aliados na II Guerra.

Mas, de fato, havia algo que irmanava Vargas e Lula, Hitler e Mussolini, Stálin e Mao, Fidel e Chávez, Perón e o Marechal Tito: o populismo.

Agora chego ao ponto crucial para responder à pergunta que fiz dias atrás: por que perdemos muito da nossa doçura e da nossa alegria?

É que nós, brasileiros, historicamente nos entregamos à solução fácil do populismo, e o populismo precisa de inimigos para se justificar. Hitler, por exemplo, elegeu os judeus como inimigos internos (não disse que o nazismo sempre é usado como argumento?).

No Brasil, os populistas são pais protetores dos pobres. Para que existam e governem, eles têm de proteger os pobres de alguma ameaça. Logo, há que se apontar um agressor. Durante muito tempo, os agressores foram os políticos tradicionais. Lula e o PT eram o oposto de Maluf, Collor, Calheiros, Sarney, Delfim et caterva. Lula e o PT eram o novo.

Mas Lula e o PT perceberam que, se continuassem se opondo a esses políticos poderosos, jamais chegariam ao poder. Assim, Lula e o PT se amasiaram com eles e com eles partilharam benesses. Cada um levou a sua cota e ficou tudo certo.

Isso por cima.

Por baixo, o governo aquietou a choldra com mimos fáceis - bolsas, vagas na universidade, auxílios variados. Todo mundo parecia contente e a estrutura continuava a mesma.

Porém, a manutenção da estrutura torta pesava cada vez mais exatamente sobre quem a sustentava - o contribuinte. Ao mesmo tempo, os desvios do sistema passaram a ser descobertos. Isso enfraqueceu e expôs o governo. Exposto, o governo começou a ser atacado. Atacado, teve de se defender. Como? Com a estratégia de todo populista: alegando que ele, governo, protege os pobres e que seus inimigos são inimigos dos pobres.

Foi esse discurso, potencializado pelas redes sociais, que tornou o Brasil amargo. Mas o mais grave é que a reação de parte da população ao populismo de esquerda foi atirar-se nos braços do populismo de direita. Isto é: a amargura só aumenta.

Voltando ao exemplo onipresente do nazismo, é alvissareiro lembrar que a Alemanha, por fim, conseguiu livrar-se do populismo. Os governantes alemães das últimas décadas são sensatos, prudentes e saudavelmente monótonos. Mas, para chegar a esse nível, eles tiveram de passar por uma guerra. Resolve, mas não vale a pena. Espero que, no caso do Brasil, baste o combate virtual.

DAVID COIMBRA