21 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA
A terrível descoberta
Aprimeira Copa do Mundo a que assisti interessada e integralmente foi a de 1974. Disse isso para o meu filho, que, agora, por causa do álbum de figurinhas da Copa da Rússia, só fala em futebol, só pensa em futebol. Foi durante essas conversas que descobri algo terrível sobre ele, como contei na última coluna e vou desenvolver hoje.
Naquela época, 1974, eu estava tão apaixonado por futebol quanto ele está agora. Cobri todas as paredes e até o teto do meu quarto com pôsteres e fotos de times. Pena que, naquele tempo, a gente não tirasse fotos. Seria engraçado ver, hoje, uma imagem do meu quarto de guri.
Além de todas as revistas de futebol possíveis, meu quarto sediava meus invencíveis times de botão puxador e coleções de gibis e de livros de história. Orgulhava-me em especial da minha coleção dos manuais da Disney, comprados com meu próprio dinheiro, ganho com a venda de jornais e garrafas, bem como com algum troco que me dava o meu avô. Tenho ainda esses manuais. Eram os seguintes:
1. O clássico Manual do Escoteiro, que deu origem à série. Guiando-me por aquele livro, tentei com afinco aprender a dar o poderoso nó de marinheiro, que ata e nunca desata. Jamais consegui. Não admira, porque ainda hoje não sei fazer o laço nos cadarços do sapato. Refiro-me, claro, ao laço ortodoxo. Esse não sei. Mas inventei um jeito que está me salvando nos últimos 40 anos. Não preciso do laço de vocês.
2. O do Tio Patinhas, sobre economia, onde li pela primeira vez a história de Howard Hughes, o ricaço americano que tinha irresistível atração por atrizes e aviões e irresistível fobia a micróbios. Hughes envolveu-se com Katharine Hepburn, Bette Davis, Jane Russell, Gina Lollobrigida e Ava Gardner, que era chamada de "o mais belo animal da Terra". O homem gostava mesmo de aviões.
3. O do Professor Pardal, sobre invenções, graças ao qual fiquei sabendo que o grego Arquimedes fez a maior descoberta científica da sua vida ao entrar em uma banheira para tomar banho. Sentou-se, viu a água erguer-se até as bordas e, naquele momento, resolveu o problema que o atormentava. Gritou: "Eureka!". Isto é: "Achei!". E saiu correndo pelado pela casa, com as partes balouçantes, a água espargindo por todo lado, espantando os criados e as visitas.
4. O do Mickey, sobre detetives, em que fiquei sabendo que o célebre criminoso John Dillinger, o inimigo público número 1 dos Estados Unidos, certa feita fugiu da cadeia usando um revólver falso, que ele mesmo fez utilizando sabão e graxa de sapatos. Depois de ler isso, tentei várias vezes esculpir um revólver com sabão e graxa de sapatos e fracassei. O que enfureceu minha mãe, que teve de comprar mais sabão, e me fez chegar à conclusão de que, se me tornasse o inimigo público número 1 dos Estados Unidos, ficaria preso para sempre.
5. O da Maga & Min, sobre bruxas. Neste manual, li acerca de Jeane Dixon, uma vidente americana que fazia previsões usando uma bola de cristal ou simplesmente tocando nas pessoas. Uma vez, ela foi cumprimentar a linda atriz Carole Lombard e, ao encostar em sua mão, teve um pressentimento horrível. Disse para a atriz que ela deveria evitar viagens aéreas por algum tempo. Carole sorriu e informou que precisava viajar de avião nos dias seguintes, e que não seria uma profecia que a impediria. Jeane suspirou. Carole viajou. O avião caiu. Carole morreu.
6. O do Peninha, sobre jornalismo. Olhando para aquele personagem, o afoito primo do Pato Donald, sei por que Mauro Toralles, o famoso Boró, antigo editor de Zero Hora, grudou no jovem repórter Eduardo Bueno o apelido de "Peninha", quando ele chegou à redação do jornal, em priscas eras. É que o Peninha pessoa é, de fato, igualzinho ao Peninha pato.
Aí, em 1974, a Disney decidiu lançar o Manual do Zé Carioca, sobre futebol. Que comprei sofregamente e li inteiro em menos de um dia.
Foi neste momento, ao contar isso tudo para o meu filho, que descobri o tal fato terrível a seu respeito. Porque, para meu infinito espanto, ele perguntou:
- Quem é esse Zé Carioca?
Ele não fazia ideia de quem era o Zé Carioca ou seu amigo Nestor, o urubu malandro. Nem as bruxas Maga e Min, nem o Peninha, nem o Professor Pardal! Nem o Mancha Negra! Como é que um menino não sabe quem é o Mancha Negra? Mal e mal ele se lembra do Tio Patinhas. Intimidade, de verdade, só com o Mickey. Os personagens que coloriram a minha infância e que ajudaram a construir minha imaginação são desconhecidos para o meu filho. Oh, Deus! Como dialogar com as novas gerações?
DAVID COIMBRA