sexta-feira, 20 de abril de 2018


20 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA

O álbum da Copa e uma terrível descoberta


Descobri algo terrível a respeito do meu próprio filho. A coisa toda começou quando comprei o álbum da Copa para ele. Não se surpreenda, você pode adquirir qualquer produto em qualquer lugar do mundo via internet hoje em dia. A Amazon ainda vai dominar a humanidade. Os Estados Unidos já estão dominados. Você passa diante das casas e vê aquelas caixas de encomendas repousando em pelo menos um terço das varandas. É por isso que os shopping centers estão em decadência por aqui.

O álbum que escolhi foi o de capa dura, bonito. Veio também uma caixa cheia de figurinhas. O Bernardo ficou em grande expectativa, até que chegassem. Passou dias me fazendo perguntas sobre as Copas, sobre álbuns, sobre futebol, e eu, como pai devotado que sou, empenhei-me em narrar boas histórias. Você sabe: a imaginação dos meninos ?é formada por lendas.

Então, contei que Friedenreich, El Tigre, havia marcado mil gols, como Pelé, e que ele era um mulato de olhos verdes, filho de pai alemão, branco de leite, e de mãe brasileira, lavadora de roupa, de pele negra e brilhante como as madrugadas. Fried, como o chamavam, não entrava em campo sem antes alisar o cabelo de carapinha a ferro quente e óleo frio, a fim de driblar o racismo típico da época.

- Entre os times grandes, só o Vasco aceitava jogadores negros - acrescentei, e desfiei a história do triste meia Carlos Alberto, do Fluminense, que passava pó de arroz no rosto no vestiário, para disfarçar o acobreado da pele. As torcidas adversárias, percebendo o truque, gritavam cruelmente da arquibancada:

- Pó de arroz! Pó de arroz!

E, como tantas vezes acontece, clube e jogador acabaram incorporando o deboche e transformando-o em símbolo.

O Bernardo me olhou espantado e, decerto lembrando das aulas acerca de Martin Luther King, questionou:

- E os direitos civis?

Segui em frente. Depois de Fried, disse eu, o jogador mais famoso foi um negro indisfarçável, Leônidas da Silva, que inventou aquela jogada que o Cristiano Ronaldo fez outro dia, lembra?

- A bicicleta? - ele perguntou.

- A bicicleta.

- Um brasileiro inventou a bicicleta? - o ufanismo rebrilhou nos olhos do menino.

Confirmei. Um brasileiro. E disse que era por isso que o chamavam de Diamante Negro.

- No Brasil, tem um chocolate com esse nome em homenagem a ele - falei.

- E é bom? - É ótimo!

Neste ponto, ingressei pelo mundo adocicado dos chocolates. Contei que, quando tinha a idade dele, havia o Beijo de Moça e o Beijo Africano, e eu gostava dos dois, mas talvez gostasse mais do Choco Preto e Branco, além, é claro, dos três clássicos: Amor Carioca, Ouro Branco e Sonho de Valsa.

- O Chico Buarque colocou o Sonho de Valsa em um verso bonito de uma música dele - ajuntei. E cantei: "Por uma pedra falsa, um Sonho de Valsa ou um corte de cetim...".

- O Chico Buarque é aquele homem que gosta do Lula?

Como é que ele fez essa associação? Não dei bola. Prossegui pela história das Copas, pronto para fazer um drama na de 1950, quando ele quis saber o que fiz quando vi uma Copa com a idade dele. Foi aí que descobri algo terrível sobre o meu filho. Vou contar o que é amanhã.

DAVID COIMBRA