terça-feira, 3 de junho de 2014


03 de junho de 2014 | N° 17817
LUÍS AUGUSTO FISCHER

CIDADE-ESPETÁCULO

Todos os defeitos da cidade parecem sair das sombras simultaneamente agora, com a Copa, para nos dar vergonha. E não só os defeitos, físicos ou imateriais, como também os limites.

Do lado físico, o aspecto geral de Porto Alegre tem muito de feiusco mesmo – basta atentar para a sujeira visual da fiação pelo ar, bloqueando a vista do céu e das fachadas, até que bacanas, ou para a epidemia das grades, que nosso susto manda colocar em todas as aberturas, por justificado medo, gerando como doloroso resultado a cara de improviso e incivilidade.

De lado imaterial, a dura constatação de que, por culpa municipal, estadual e federal, pública e privada, não diferimos nada da generalidade do Brasil, bem ao contrário do que gostamos de pensar, com orgulho e alguma arrogância. Aqui, como em todas as outras capitais que vão receber jogos da Copa, as obras goraram ou não saíram no prazo certo, o trânsito está uma porcaria há mais de ano em função de obras mal administradas, o pior improviso e o mais bagaceiro jeitinho estão sendo a salvação de última hora.

E há os limites: está claríssimo que temos instituições cheias de falhas, em educação e saúde, em segurança e transporte, no nível estrutural e no varejo cotidiano. Estamos vindo numa levada de pleno emprego e transferência de renda já com mais de 10 anos seguidos, e mesmo assim não chegamos lá.

Mas também não podemos perder a dimensão geral da coisa. O país melhorou muito, em quase todos os campos (salvo a segurança, pior que nunca), nas últimas décadas; só que o passivo social ainda não foi vencido, nem o será logo, mesmo porque isso depende do jogo internacional, do papel do país no mundo, num jogo de forças muito superior ao nosso voto e à nossa eventual militância.

A Copa se inscreve nisso. Megaeventos como ela são empreendimentos multimilionários, com seu tanto de mafiosos; para existirem, eles exigem de instâncias públicas como uma prefeitura que se comporte como uma produtora de espetáculos de massa, coisa para a qual ela não foi concebida. Há nisso um danoso atropelo, uma perversa reorientação, que é preciso avaliar criticamente.

Uma sugestão de leitura: Cidades Rebeldes – Passe Livre e as Manifestações que Tomaram as Ruas do Brasil, da Boitempo Editorial e Carta Maior. Seu tom geral é desanimador; mas não venceremos os problemas com sorrisos e adesão tola.

Luís Augusto Fischer escreve quinzenalmente no Segundo Caderno.