03
de junho de 2014 | N° 17817
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Gnomo em alto
esporte
Logo
no segundo encontro com a minha mulher, ela teve que enfrentar um grande teste:
o modo como eu estava vestido.
Esperava
Katy no bar do cinema. Meu figurino era uma calça amarela de coração, um blusão
verde, um casaco de veludo ainda mais verde, sapato vermelhocombinando com os
óculos. Em suma, um gnomo em alto esporte. Um arco-íris na curva da tempestade.
Não
precisava levantar o braço para denunciar minha localização.
Ela,
que se preocupava com o que colocar para me agradar, descobriu que deveria é se
preocupar comigo. Vinha a ser, mesmo vestido, um atentado violento ao pudor.
Por
generosidade do destino, não tive irmão gêmeo.
Andar
comigo pelo shopping seria o equivalente a dar a mão para uma árvore de Natal.
Os cadarços desamarrados serviam de tomada.
Ela
confessou, um ano depois, que não ficou assustada.
– Eu
me assusto com baratas. Contigo daquele jeito, fiquei apavorada.
Acho
que rezou para não esbarrar com algum familiar e amigo pelas galerias e lojas.
Suou frio, gaguejou, contornou o constrangimento com a elegância das meias
palavras.
Foi
muito amor e provação da parte dela. Não comentou nada, fingiu normalidade. Não
teceu nenhum comentário irônico. Elogiou o que podia naquele momento, o meu
perfume.
Hoje,
aposentei as calças coloridas e extravagantes, as camisetas P brilhosas, os
casacos estranhos. Fiz uma limpa nos cabides. Tirei a drag queen do meu
armário. Separei as roupas para dar. Finalizei uma era de minha vida. Não
desprezava quem fui, apenas não me atendia mais.
Nossa
empregada Cléo recebeu a responsabilidade de levar as sacolas aos necessitados.
Qual
minha surpresa quando ela volta no dia seguinte com todas as minhas peças.
Nenhuma ganhou a simpatia de entidades beneficentes e brechós.
–
Pode ainda interessar as escolas de samba –, Cléo buscou me consolar.
Terminei
recusado pela campanha do agasalho. Devo ter sido o primeiro caso da história
de Porto Alegre.
Não
há caridade que justifique a cafonice.