ELIANE
TRINDADE DE SÃO PAULO
MINHA HISTÓRIA - MARCELO RIBEIRO,
48
"O
silêncio protege o pedófilo"
Casado,
aos 48 anos, empresário conta que foi vítima de abuso sexual dos 12 aos 16 por
um maestro do coral da Igreja Católica que depois virou padre
RESUMO
Há seis anos, Marcelo Ribeiro, 48, revelou à mulher Renata Daud, 36, ter sido
abusado sexualmente dos 9 aos 16 anos pelo maestro do coral da Igreja Católica
primeiro em Minas e depois no Rio Grande do Sul. Uma crise na relação levou o
empresário a relatar pela primeira vez um trauma que escondia há mais de três
décadas e que agora conta também no recém-lançado livro "Sem Medo de Falar
- Relato de uma Vítima de Pedofilia" (ed. Paralela, 195 págs., R$ 24,90).
Quando
comecei a ser assediado aos nove anos pelo maestro do coral da Igreja Católica
da minha cidade natal, em Minas, eu não tinha noção do que era sexo. O primeiro
beijo que ele me deu foi uma coisa maravilhosa. Para mim, não era erótico.
Criança é erógena. Sente, mas não sabe lidar com aquilo.
Já
ele, o predador sexual, sabia o que estava fazendo. Fui abusado sexualmente dos
12 aos 16 anos.
O
maestro era respeitado a ponto de ter confiança de meus pais para que eu fosse
morar com ele no Sul, para onde o coral se transferiu.
A
primeira vez que me lembro de ter feito sexo com ele foi quando ficamos
sozinhos na casa paroquial. O maestro tirou minha roupa e eu aceitei. Já tinha
me beijado escondido várias vezes.
Ele
me acariciou, me tocou, me beijou, me fez praticar sexo oral e me penetrou.
Repetidas vezes e a seu bel-prazer. Exigiu que eu o penetrasse.
Não
havia meu desejo. Era obediência. Como era muito criança, parecia que aquilo
não me incomodava tanto, porque tinha outras coisas bacanas, como cantar no
coral, ser reconhecido.
Os
abusos eram um fardinho que eu tinha de carregar. Só tive consciência de ser
vítima de abuso muito depois. O maestro, que viraria padre, dizia que nossa
história era de amor. Só aos 42 anos consegui falar sobre o assédio.
ABUSO
HOMOSSEXUAL
É
mais difícil falar sobre abuso homossexual. Nunca pensei se eu era ou não gay.
Antes de ser molestado, tive uma paixão platônica por uma colega de escola. Quando
decidi deixar o coral e voltar para casa, tinha 16 para 17 anos e nenhum
traquejo com meninas. Optei pelas profissionais, quando estudava engenharia em
Belo Horizonte.
Vivi
uma adolescência tardia. Aos 26 anos, conheci minha mulher. Renata tinha 13.
Falei para o amigo que nos apresentou: Como é que você me apresenta uma menina
que não tem peitinho ainda?' Fiz essa grosseria, mas namoramos por dois anos.
Eu
era desregulado. Agia com brutalidade. Meus familiares foram os que mais
sofreram com o ódio que tinha guardado. Só contei aos meus pais quando o livro
ia sair.
LAVAGEM
CEREBRAL
O
maestro foi nos afastando de família, amigos, futebol. Era uma lavagem
cerebral. Comecei a me rebelar quando passei férias em casa e voltei usando
jeans. Tínhamos que usar calça social e camisa com o último botão fechado.
Minha
mulher diz que há força em falar o indizível. Reencontrei Renata adulta e nos
apaixonamos de novo. Mas, há seis anos, ela pediu para eu ir embora. O medo de
perdê-la me fez falar pela primeira vez sobre o abuso. Ela foi amorosa e sábia.
O
silêncio protege o pedófilo. Falar desnuda ele. A força da denúncia é
reverberar.
É um
modo também de incentivar pais e educadores a falar sobre o tema. Esse é um
crime muito comum. O pedófilo está próximo. A gente vai ter que falar para as
crianças o que é pedofilia, até para elas estarem mais protegidas.
Meu
caso está prescrito há muito anos. O pedófilo não pode ser punido a contar uma
década a partir dos 18 anos da vítima. Defendo que não exista prescrição para
esse tipo de crime. Ninguém sabe quando vai se curar do trauma e conseguir
falar.
O
maestro dirige hoje uma instituição no Sul. Mudou de ordem. Não é mais
católico. Mas fiz a denúncia à CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]
por ter sido vítima de abuso dentro da Igreja, numa casa paroquial.
Esperava
que a entidade tomasse ao menos meu depoimento formal. Ninguém me procurou.
Cheguei a falar diretamente com o presidente da CNBB na época, dom Geraldo. Ele
disse que eu não precisava me preocupar mais.
Três
décadas depois, tomei coragem e liguei para o maestro, que segue cercado de
crianças e jovens. Perguntei: "Por que não se afasta das crianças, já que
tem essa doença?". Ele não disse nada. Antes de desligar, pedi: "Para
de fazer o mal".
Não
revelo o nome dele no livro. É uma forma de não discutir só o meu caso, mas de
falar de um problema social.
Espero
que o livro ajude a sociedade a combater a pedofilia. Eu fui escolhido para ser
uma vítima. E tenho certeza de que também fui escolhido para contar a história.