MAURICIO
STYCER
'Tiro, porrada e
bomba'
Usar
tramas rocambolescas para levantar a audiência das novelas não vai resolver a
crise que o gênero sofre
Em
busca de explicações para a audiência em queda das novelas, críticos e autores
têm sugerido que o espectador brasileiro não tolera mais tramas com pouca ação
e ritmo lento. Segundo esse raciocínio, o sucesso de "Avenida
Brasil", cujo texto e direção foram muitas vezes comparados ao de um
seriado, teria estabelecido um novo padrão, sem volta.
Esta
discussão ganhou impulso ainda maior nestes primeiros meses de 2014 por conta
dos números de audiência decepcionantes de "Em Família". A novela de
Manoel Carlos ainda é, como todas do horário, o maior Ibope diário da Globo,
mas num patamar bem inferior ao sonhado pelos executivos da emissora.
Convidando
o público a prestigiar a estreia de "Vitória", a Record publicou na
Folha, há duas semanas, um anúncio de página inteira no qual dizia que
"assistir à novela das 9 em família não precisa ser chato". Em letras
menores, a provocação com a Globo prosseguia: "Você também está cansado de
novela das 9 que não acontece? Assista à Vitória, uma novela com tudo o que uma
novela tem que ter."
O
que seria isso? Os primeiros capítulos da trama de Cristianne Fridman
procuraram explicar. "Vitória" tem um núcleo de neonazistas
alucinados, liderados por uma loira belíssima, e tem um vilão em cadeira de
rodas, que interna a mãe sã numa clínica e tenta se vingar do pai.
O
texto abusa dos clichês mais surrados e apelativos e a câmera adora os closes
nos rostos dos personagens. É um melodrama rasgado, com história rocambolesca,
sem pudor de tentar conquistar o espectador no grito --aliás, quase toda cena
mostra alguém gritando.
Com
seu anúncio, a Record tenta estabelecer uma oposição entre chatice ("Em
Família") e exagero ("Vitória"). A baixa audiência nas primeiras
duas semanas mostra que a emissora não vai conquistar público com esta
estratégia. A política de "tiro, porrada e bomba", descrita na música
de Valesca Popozuda, pode funcionar bem para intimidar as
"recalcadas", mas me parece um retrocesso para as novelas.
"Amor
à Vida", de Walcyr Carrasco, foi outra novela que apostou nesta política
de choque, com um texto de baixa qualidade, sem substância. O resultado, em
termos de Ibope, foi um pouco melhor do que "Salve Jorge", de Gloria
Perez, uma novela com história bem mais rica, mas problemas sérios de lógica.
Esta
semana, Aguinaldo Silva, autor da novela que substituirá "Em
Família", fez um comentário em seu blog pessoal que colocou mais lenha
nesta discussão. Explicando por que não iria contar um segredo importante da
nova trama, a ser revelado no sexto capítulo, ele se vangloriou do "ritmo
alucinante" de suas novelas.
"Porque
eu não sou de enrolar nem de guardar história, vou soltando tudo desde os
primeiros capítulos, e quando a sinopse acabar eu faço outra e, se for preciso,
mais outra"¦ Mas não deixo de manter o ritmo alucinante nas minhas
novelas, pois é o que o povo quer e gosta."
Não
mudei a minha opinião de que o texto de "Em Família" é quase sempre
bem escrito e articulado, mas essa qualidade é secundária diante de uma novela
com histórias pobres, conflitos pouco convincentes e tramas repetitivas. O
problema não é só de ritmo, mas de conteúdo mesmo.