10
de julho de 2014 | N° 17855
DAVIS
COIMBRA
12 ANOS
DEPOIS
Como
se fosse um filme, como se fosse um romance, os 1 a 7 de Belo Horizonte são o desfecho de
uma trama que começou em outro encontro desses dois protagonistas, 12 anos
atrás. Naquele ano de 2002, Brasil e Alemanha decidiram a Copa do Oriente
Longínquo e, como se sabe, o Brasil venceu. Mas, silenciosamente, as mudanças
nos dois lados já haviam começado a acontecer no ano anterior.
A
Alemanha dera início ao processo de reformulação do seu futebol, com escolinhas
espalhadas por todo o país e leis que tentaram assegurar a saúde financeira dos
clubes. Em pouco tempo, o futebol alemão começou a revelar talentos como os que
domingo jogarão a final no Maracanã, e o campeonato nacional transformou-se num
fenômeno, com média de público nos estádios superior a 40 mil pessoas por
partida, a maior do mundo.
No
Brasil, o Estado agiu na direção oposta: os clubes foram fustigados pela Lei
Pelé, uma legislação liberalizante, que pretendia “alforriar” os jogadores. Na
verdade, os grandes (e poucos) jogadores, que sempre ganharam bem, continuaram
ganhando bem, e os pequenos (e muitos), que sempre ganharam mal, passaram a não
ganhar nada: os clubes do interior fazem com eles contratos de três ou quatro
meses, para os campeonatos regionais, e depois os dispensam.
Quem
ganhou com a Lei Pelé foram os empresários e os clubes europeus, que, desde
2001, não precisam mais passar pelo incômodo de negociar com outros clubes:
simplesmente mandam representantes ao Brasil, que colhem os jogadores na fonte,
isto é: nas salas de suas casas, fazendo contratos diretamente com os pais ou
com atravessadores espertalhões.
Isso
transformou (para pior) o futebol brasileiro. Não é por acaso que muitos dos
jogadores da atual Seleção nunca jogaram em grandes clubes brasileiros ou, se
jogaram, foi até os 18, 19 anos de idade. Em geral, acontece com os talentos do
Brasil o que aconteceu com Alexandre Pato, que voltou da Europa cheio de
músculos e sem nenhum futebol.
A
Lei Pelé destroçou os clubes brasileiros, mas os 12 grandes do Brasil são
fortes demais.
Eles
têm cem anos de história e cem milhões de torcedores, resistiram a todos os
assaques e achaques, e sobreviveram com uma pujança que nenhuma outra empresa
privada teria. Eles fazem o que podem. Hoje, o Brasileirão é um certame de
enjeitados, disputado por jogadores veteranos que estão raspando o fundo do
tacho financeiro de suas carreiras, medianos que a Europa desdenha e
sul-americanos atraídos pelos salários mais altos pagos no Brasil. É pouco? É o
suficiente para empolgar torcidas que estão há mais de 10 anos sem ver craques
de verdade nos seus estádios.
A
Seleção Brasileira é o produto mais refinado dessa situação. Quem mais Felipão
poderia convocar? Neymar, o único craque do Brasil, é obra de um esforço
amazônico do Santos, que o segurou no país por mais tempo do que o comum, para
um jogador do seu quilate. Os outros, Ronaldinho, Ronaldo, Rivaldo, Roberto
Carlos, Cafu, Romário, esses estão no passado, no tempo da Lei do Passe.
Por
ironia, de todos os citados acima só continua jogando aquele que foi o símbolo
da mudança catastrófica feita no Brasil: Ronaldinho. Em 2001, ele foi o
primeiro a se aproveitar da Lei Pelé e, na prática, fugiu do Grêmio, o clube
que dizia amar desde que nasceu.
Os
clubes brasileiros, na verdade, dependem disso: de amores. De torcedores fiéis
e generosos, que os mantêm, apesar dos prejuízos. E os clubes são o núcleo do
futebol. Os clubes são a razão de ser do futebol. A Lei Pelé golpeou duramente
os clubes. A Lei Pelé não libertou os jogadores; liberou o tráfico e a
pirataria empreendida por empresários e potências europeias. Com a Lei Pelé
começou a história dos 1 a
7 do Mineirão. Enquanto isso, do outro lado do oceano, os alemães fizeram o
caminho oposto dos brasileiros: valorizaram seus clubes, a ponto de dois deles
disputarem a finalíssima da Liga dos Campeões da Europa.
Os
alemães até podem não ganhar a Copa no domingo, mas hoje a Alemanha é o país do
futebol. E tudo começou lá atrás, no Oriente Longínquo, naquele encontro dos
dois protagonistas que tanto têm em comum, mas que agora são tão diferentes,
quase incompatíveis. Como num filme. Como num romance.