quarta-feira, 15 de julho de 2015




15 de julho de 2015 | N° 18227 
MOISÉS MENDES

O sonho do Cerrado

Se as coisas tivessem evoluído como o planejado por meu pai, hoje eu poderia ser um latifundiário do Centro-Oeste. Mas os planos dele fracassaram. Lembrei dos seus sonhos quando li agora a reportagem da Joana Colussi e do Tadeu Vilani sobre os gaúchos que avançaram mais ainda para o alto do mapa do Centro e do Nordeste. Pensei nos desbravadores que não servem como exemplos edificantes. Meu pai seria um deles.

Nelson, o sonhador, não saiu em direção ao Eldorado do Centro-Oeste nos movimentos migratórios dos anos 70. Foi bem antes, com os pioneiros do final dos anos 50. Vendeu um pedaço de campo de minha mãe no Saicã e se foi sozinho para Campo Grande. Comprou tanta terra, que mereceu, ali por 1960, uma página inteira no Diário de Notícias.

O título da reportagem, que guardei por muito tempo, era algo como “o gaúcho que oferece a prosperidade no Mato Grosso”. O plano: virar fazendeiro e vender lotes na vizinhança da Brasília que se erguia no Planalto. Fracassou.

A família perdeu as terras do Saicã e nunca viu as terras do Mato Grosso. Meu pai separou-se da minha mãe e tomou outros rumos. Carrinhos de lata importados, que meu pai trazia das viagens, foram na minha infância a memória do que o Mato Grosso significava para mim. Até que, muito tempo depois, um de meus irmãos decidiu investigar o que havia sobrado do sonho do pai, que morrera anos antes. Nada.

Um advogado vasculhou cartórios e outras pistas. Parte das terras que seriam dele estaria sob a Base Aérea de Campo Grande. E o resto? E os sócios? E as escrituras? Eram poeira de redemoinhos em meio a arbustos, zebus e cupinzeiros.

No início dos anos 80, estive duas vezes a trabalho na região de Campo Grande. Mirava aquela tábua de chão e divagava: que descaminhos teriam consumido os sonhos do meu pai? Quem tirou proveito das suas loucuras como desbravador fracassado?

Conversei com gente que havia prosperado, como esses localizados agora pela Joana e pelo Tadeu. Mas também falei com perdedores, como um jornalista de São Borja que, já maduro, largara tudo, 10 anos antes, para plantar soja em Dourados.

Tinha uns 70 anos. Morava na peça dos fundos de uma casa com a mulher. Conversou comigo sentado num sofá rasgado. Não tinha nada. Lembro do que me disse: para uns, dá certo, para outros, não.

Esse homem pelo menos não tinha filhos que cresceriam se perguntando sobre o que, afinal, havia dado errado.