19 de julho de 2015 | N° 18231
ARTIGOS - DIANA LICHTENSTEIN CORSO*
A BELA ADORMECIDA TAMPONADA
Nas imagens pornográficas,
as mulheres aparecem explicitamente ofertadas ao olhar e ao acesso dos
interessados. Estes, ao menos imaginariamente, podem dispor delas para seu
prazer. Quanto mais pornográfica e menos erótica for a representação, mais visíveis
serão os orifícios “disponíveis”.
A transformação de alguém em uma imagem incumbida de encenar
fantasias alheias, sem levar em conta as que ele prório possa ter, é o cerne da
pornografia e o avesso do erotismo. As pessoas que consomem esse gênero não são
egoístas ou pervertidas. São apenas neuróticos triviais que utilizam representações
anônimas daquilo que imaginaram para atingir o gozo sexual.
É necessário que o outro seja passivo? Sem problemas. Dominante?
OK. Cai bem que esteja encontrando prazer nas mãos de alguém do sexo oposto que
não seja eu? Tudo bem. Preciso ver duas pessoas do mesmo sexo se desejando? OK.
Vários participantes, todos desejando uma só mulher? Para tudo há uma solução: a
indústria pornográfica arregimenta pessoas capazes de praticar os
contorcionismos necessários, a serviço de um Kama Sutra comercial pouco encontrável
numa real cena de sexo.
Agora imagine uma dessas mulheres, linda e loira, colocada
em posições clássicas da pornografia mas com todos os orifícios de seu corpo
tamponados. Olhos, boca, nariz, ouvidos, vagina, ânus, cobertos com uma massa
branca que a impede de qualquer relacionamento, ativo ou passivo, com o mundo. Numa
urna de vidro, ao lado das fotos, estão os tampões, modelados em seu corpo.
No espaço de exposições do Santander, em Porto Alegre, entre
outras instalações instigantes, os artistas Laura Cattani e Munir Klamt propõem
essas fotos, da mulher tamponada, nem pornográfica, nem erótica: sinistra.
Eles chamaram o conjunto das obras expostas de “Aporia”,
traduzível por “impasse”, “beco sem saída”. Esse é o efeito desse corpo
indefeso e inacessível. A anti-bela adormecida dos retratos não está à espera
nem de um príncipe que a beije, nem de um voyeur que a contemple. Ela tem seu
corpo fechado, mas permanece em poses de disponibilidade, representando um
paradoxo de passividade interditada.
No local, travei um diálogo com uma moça que trabalhava ali.
Perguntei de quem era a obra. Ela entendia que eu indagava quem era a moça e
dizia não saber informar a identidade da modelo. Insisti, e ela também. Após o
reiterado mal-entendido, compreendi que ela não aceitava o anonimato da
retratada. Afinal, se era seu corpo, por que não seria ela identificada?
Ficamos nessa conversa de surdos porque ambas nos angustiamos frente às fotos. Uma
mulher cheia de rolhas é um doloroso retrato da passividade feminina. Ele nos
mostra que fomos educadas para estar sempre alheias ao mundo e disponíveis para
o uso.
Psicanalista*