terça-feira, 28 de julho de 2015



28 de julho de 2015 | N° 18240 
DAVID COIMBRA

A comovente história do cavalo Farrapo

Esta é uma história real. Deu-se poucos meses atrás. Seu protagonista é o cavalo Farrapo, um mangalarga marchador de estirpe, campeão do Brasil. O proprietário de Farrapo, um estancieiro de outro Estado, queria vendê-lo para um rico estancieiro gaúcho. Ofereceu-o por R$ 100 mil. Depois de alguma ponderação de parte a parte, o negócio foi fechado.

O estancieiro gaúcho, que é meu amigo, contou sobre o dia em que viu Farrapo pela primeira vez: era um garanhão branco como a pureza, vistoso como um diamante, elegante como um felino e orgulhoso como um fidalgo. Chegou à fazenda feito o príncipe que era, observando os súditos do alto de sua cabeça empinada e poderosa.

O capataz quis montá-lo. Não conseguiu. Farrapo derrubava qualquer ser humano que ousasse tentar dominá-lo. Meu amigo o deixou na estância e foi tratar de seus negócios tantos. Farrapo empenhou seu vigor, então, como reprodutor. Semanas se passaram até que meu amigo voltasse àquela fazenda, uma entre várias de suas propriedades. Ao chegar, foi logo perguntando pelo Farrapo. O capataz, antes de responder, vacilou por uma dúzia de segundos:

– E-er... Ele está bem...

Meu amigo sentiu que havia algo errado:

– O que houve? Diz logo o que está acontecendo!

– É que... É que o Farrapo está namorando um burro...

– O quê?

Era verdade. O estancieiro foi lá e viu com seus próprios espantados olhos que Farrapo, agora, se relacionava amorosamente com um burro. Ficou furioso. Não que seja homofóbico, não se trata disso, não acionem o Jean Wyllys, mas é que Farrapo, simplesmente, não queria mais saber das éguas. Só se interessava pelo burro. Essa era a vida de Farrapo na estância: não podia ser montado, não montava égua alguma, só o que fazia era correr livre pelos campos e refocilar-se com o burro.

Meu amigo achou a situação insustentável. Ordenou:

– Capa esse cavalo!

A determinação horrorizou os empregados. Mas como? Capar o Farrapo? Um garanhão de tamanha qualidade? Não, não devia, não podia. Mas o estancieiro estava inflexível:

– Capa!

A notícia da ordem terrível alcançou os ouvidos do antigo dono do Farrapo, que se revoltou:

– O Farrapo ser capado?! Nunca! Eu compro de novo o cavalo!

Mas o fazendeiro gaúcho havia decidido, e não voltaria atrás:

– Capa! – Mas... – Capa! Caparam.

Sim. Caparam.

Cumprida a ordem, meu amigo dedicou-se mais uma vez a seus outros afazeres e deixou a fazenda por algum tempo. Quando retornou, o capataz quis saber:

– O senhor quer ver o Farrapo?

Ele disse que não. Preferia não encontrar outra vez aquele cavalo. Mas o capataz insistiu e trouxe-o do fundo do campo, puxando-o pela rédea. O que meu amigo viu, naquele momento, o enterneceu. Farrapo era outro. Veio devagar, cabisbaixo, triste mesmo. A antiga dignidade tinha ido embora acompanhada pela virilidade. Ante a cena deprimente, meu amigo suspirou, pesaroso. Mas ainda não era o fim da história. Porque, em um minuto, sem ser chamado, quem veio em direção a eles foi o burro. 

Aproximou-se lenta, mas decididamente, olhando para Farrapo e apenas para Farrapo. Encostou-se ao seu lustroso pelo branco. E começou a acarinhá-lo com a cabeça, com o pescoço, com todo o corpo. Brad e Angelina, Romeu e Julieta, Abelardo e Heloísa, todos perderiam para o burro e o cavalo. Porque era amor. O que havia entre eles, genuinamente, era amor.