RUTH DE AQUINO
17/07/2015 - 22h35 - Atualizado 17/07/2015 22h39
Um dia da caça, outro do caçador
A democracia brasileira vive um momento de ouro, porque não
poupa ninguém
A cena dos três carros de luxo, uma Ferrari, um Lamborghini
e um Porsche, apreendidos da casa do ex-caçador de marajás e ex-presidente
impedido Fernando Collor, é um bálsamo para todos que sempre se sentiram meio
quixotes neste país, em luta contra moinhos de vento.
É compreensível que empresários bilionários ostentem
brinquedos assim e se sintam mais machos enfileirando na garagem suas máquinas
potentes e incompatíveis com o trânsito brasileiro. Mas, e quando se trata de
políticos? Só muita cara de pau, complexo de inferioridade e problemas de
caráter explicam essa obsessão em um congressista ou homem público, num país
com tantos desafios básicos e graves.
O valor total dos três carros, estimado em cerca de R$ 5
milhões, é detalhe. Milhões e bilhões são jogados pelo ralo da corrupção todo
dia. Ninguém consegue acompanhar o montante das propinas na Operação Lava Jato.
Mais reveladora é a dívida de Collor com o IPVA das três máquinas, R$
343.480,48. Quem caiu por um Fiat Elba sujismundo deveria ter virado
colecionador de tudo, menos de carros. Sempre faltou visão a esse político
afeito a surtos arrogantes e a golpes baixos.
Collor reagiu como... Collor. Com bravatas e chiliques. O
senador se disse “ultrajado” com a apreensão em sua propriedade, a Casa da
Dinda. “Estamos no terreno do vale-tudo!” Chamou os investigadores de
“facínoras que se dizem democratas”.
Policiais federais, com mandados de busca e apreensão
assinados por ministros do Supremo Tribunal Federal, levaram também material da
emissora de TV do senador, em Maceió, repetidora da Globo. Era madrugada de
terça-feira. A ação, acatada pelo STF a pedido do procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, foi batizada de Politeia, que seria uma república
grega, caracterizada pelos direitos civis, pela ética e pela virtude.
Com uma biografia pontuada de episódios ainda obscuros,
Collor foi redimido por seus pares e é senador pelo Partido Trabalhista
Brasileiro – o PTB fundado por Getúlio Vargas em 1945. E pensar que Collor
quase foi presidente da CPI da Petrobras, indicado pelos governistas.
Lula elogiou Collor como um dos mais leais de sua base, em
2009. Abraçaram-se num palanque de Alagoas, em Palmeira dos Índios. Lula disse
que tanto Collor quando Juscelino Kubitschek tinham sido presidentes que
viajavam para “sentir o drama do povo”. O que Lula dirá agora? Nada. Até porque
muito ainda deve surgir sobre a relação íntima de Lula com a Odebrecht.
Os que mais se comoveram com o sentimento de ultraje de
Collor foram o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado,
Renan Calheiros. Ambos são alvos da Lava Jato, acusados de receber propinas
robustas de fornecedores da Petrobras.
O show de Collor foi roubado por seus irmãos camaradas do
PMDB, Cunha e Renan. Se pensássemos num filme que resumisse os protagonistas da
semana, poderia ser Os três patetas, na versão mais carinhosa, ou Os irmãos
metralha, na versão mais dura. Dos três, Collor é o mais inofensivo, o menos
perigoso, por não passar de figurante canastrão no grande palco político.
“É tudo vingança do governo. Parece que o Executivo quer
jogar sua crise no Congresso”, disse o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Cunha foi acusado pelo lobista de empreiteiras e delator da Lava Jato Júlio
Camargo de receber US$ 5 milhões diretamente dele, em 2011. O Brasil assistiu
ao depoimento, gravado em vídeo pela Justiça Federal. Cunha afirmou que o
procurador-geral Janot “obrigou Camargo a mentir”.
Os delatores acusam Cunha de intimidação. Dizem ter medo
dele. Não são os únicos. A figura messiânica, as manobras polêmicas e as
posições extremamente conservadoras de Cunha mostram a face pior do PMDB. Até
recentemente, Cunha era fã da delação premiada e da Lava Jato. Agora, diz que o
Executivo usa a operação “para constranger o Legislativo”.
A tropa de choque do PMDB em torno de Cunha formou-se
rapidamente. “Essas coisas” atrapalham o país, “abalando a natural tranquilidade
que sempre permeou” o Brasil, disse o vice-presidente Michel Temer. Renan
Calheiros afirmou que o país passa por “uma crise institucional”. “Vivemos um
momento grave, preocupante”, porque o Brasil pode estar “ferindo de morte a
própria democracia”, disse o presidente do Senado.
É curioso. O Brasil, com certeza, tem outra opinião. A
democracia vive um momento de ouro porque não poupa ninguém. Não há lugar na
Politeia para Collor e uma cambada de homens públicos brasileiros. Nossa
República dos rabos presos precisa ser refundada e começo a crer nessa
possibilidade. Você compraria um Lamborghini usado de Collor, Cunha ou Renan?