sábado, 18 de julho de 2015



RUTH DE AQUINO
17/07/2015 - 22h35 - Atualizado 17/07/2015 22h39

Um dia da caça, outro do caçador

A democracia brasileira vive um momento de ouro, porque não poupa ninguém

A cena dos três carros de luxo, uma Ferrari, um Lamborghini e um Porsche, apreendidos da casa do ex-caçador de marajás e ex-presidente impedido Fernando Collor, é um bálsamo para todos que sempre se sentiram meio quixotes neste país, em luta contra moinhos de vento.

É compreensível que empresários bilionários ostentem brinquedos assim e se sintam mais machos enfileirando na garagem suas máquinas potentes e incompatíveis com o trânsito brasileiro. Mas, e quando se trata de políticos? Só muita cara de pau, complexo de inferioridade e problemas de caráter explicam essa obsessão em um congressista ou homem público, num país com tantos desafios básicos e graves.

O valor total dos três carros, estimado em cerca de R$ 5 milhões, é detalhe. Milhões e bilhões são jogados pelo ralo da corrupção todo dia. Ninguém consegue acompanhar o montante das propinas na Operação Lava Jato. Mais reveladora é a dívida de Collor com o IPVA das três máquinas, R$ 343.480,48. Quem caiu por um Fiat Elba sujismundo deveria ter virado colecionador de tudo, menos de carros. Sempre faltou visão a esse político afeito a surtos arrogantes e a golpes baixos.

Collor reagiu como... Collor. Com bravatas e chiliques. O senador se disse “ultrajado” com a apreensão em sua propriedade, a Casa da Dinda. “Estamos no terreno do vale-tudo!” Chamou os investigadores de “facínoras que se dizem democratas”.

Policiais federais, com mandados de busca e apreensão assinados por ministros do Supremo Tribunal Federal, levaram também material da emissora de TV do senador, em Maceió, repetidora da Globo. Era madrugada de terça-feira. A ação, acatada pelo STF a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi batizada de Politeia, que seria uma república grega, caracterizada pelos direitos civis, pela ética e pela virtude.

Com uma biografia pontuada de episódios ainda obscuros, Collor foi redimido por seus pares e é senador pelo Partido Trabalhista Brasileiro – o PTB fundado por Getúlio Vargas em 1945. E pensar que Collor quase foi presidente da CPI da Petrobras, indicado pelos governistas.

Lula elogiou Collor como um dos mais leais de sua base, em 2009. Abraçaram-se num palanque de Alagoas, em Palmeira dos Índios. Lula disse que tanto Collor quando Juscelino Kubitschek tinham sido presidentes que viajavam para “sentir o drama do povo”. O que Lula dirá agora? Nada. Até porque muito ainda deve surgir sobre a relação íntima de Lula com a Odebrecht.

Os que mais se comoveram com o sentimento de ultraje de Collor foram o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Ambos são alvos da Lava Jato, acusados de receber propinas robustas de fornecedores da Petrobras.

O show de Collor foi roubado por seus irmãos camaradas do PMDB, Cunha e Renan. Se pensássemos num filme que resumisse os protagonistas da semana, poderia ser Os três patetas, na versão mais carinhosa, ou Os irmãos metralha, na versão mais dura. Dos três, Collor é o mais inofensivo, o menos perigoso, por não passar de figurante canastrão no grande palco político.

“É tudo vingança do governo. Parece que o Executivo quer jogar sua crise no Congresso”, disse o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Cunha foi acusado pelo lobista de empreiteiras e delator da Lava Jato Júlio Camargo de receber US$ 5 milhões diretamente dele, em 2011. O Brasil assistiu ao depoimento, gravado em vídeo pela Justiça Federal. Cunha afirmou que o procurador-geral Janot “obrigou Camargo a mentir”.

Os delatores acusam Cunha de intimidação. Dizem ter medo dele. Não são os únicos. A figura messiânica, as manobras polêmicas e as posições extremamente conservadoras de Cunha mostram a face pior do PMDB. Até recentemente, Cunha era fã da delação premiada e da Lava Jato. Agora, diz que o Executivo usa a operação “para constranger o Legislativo”.

A tropa de choque do PMDB em torno de Cunha formou-se rapidamente. “Essas coisas” atrapalham o país, “abalando a natural tranquilidade que sempre permeou” o Brasil, disse o vice-presidente Michel Temer. Renan Calheiros afirmou que o país passa por “uma crise institucional”. “Vivemos um momento grave, preocupante”, porque o Brasil pode estar “ferindo de morte a própria democracia”, disse o presidente do Senado.

É curioso. O Brasil, com certeza, tem outra opinião. A democracia vive um momento de ouro porque não poupa ninguém. Não há lugar na Politeia para Collor e uma cambada de homens públicos brasileiros. Nossa República dos rabos presos precisa ser refundada e começo a crer nessa possibilidade. Você compraria um Lamborghini usado de Collor, Cunha ou Renan?